Não há um caminho rápido para a paz na Ucrânia

Financial Times; Chega um ponto em muitas guerras em que os lados antagônicos se perguntam no que eles se meteram. Segundo alguns relatos, Vladimir Putin chegou a esse ponto em setembro. Após uma série de revezes militares, o líder russo demonstrava raiva e até pânico.

Agora Putin teria recuperado sua serenidade. Com o primeiro aniversário da invasão da Ucrânia pela Rússia, hoje, é a aliança ocidental que apoia a Ucrânia que está tendo discussões difíceis.

Nos eventos públicos do Fórum de Segurança de Munique, que aconteceu no fim de semana, líderes ocidentais exibiram confiança e determinação. No geral, as mensagens podem ser resumidas como um “rumo à vitória” e um “apoio incondicional à Ucrânia”.

Mas, a portas fechadas, há uma discussão ansiosa sobre uma série de questões em aberto. Qual lado está com a iniciativa no campo de batalha? Poderá a Rússia ser forçada a aceitar uma paz em termos que sejam aceitáveis para a Ucrânia? Se a guerra se arrastar, a Ucrânia e seus aliados ocidentais manterão a resistência necessária? 

Do lado positivo, está claro que a guerra foi muito pior para a Rússia do que parecia plausível à véspera da invasão. Na ocasião, acreditava-se amplamente que Putin venceria logo. Mas os russos estão atolados e sofrem pesadas baixas. 

A aliança ocidental, que passou grande parte da Guerra Fria preocupada com os tanques russos varrendo a Europa, descobriu que a Rússia não consegue nem mesmo tomar Kharkiv, uma cidade a 50 quilômetros de sua fronteira. 

Mas enquanto os militares russos tiveram um desempenho pior que o esperado, a economia russa teve um desempenho melhor. Quando as pesadas sanções ocidentais foram impostas, previa-se amplamente que a Rússia sofreria uma contração econômica de 10% ou mais. Acredita-se que sua economia encolheu cerca de 3% a 4% (o dado oficial é queda de 2,2%) e que poderá até crescer neste ano. O fato de as sanções não serem realmente globais tornou-as relativamente fáceis de driblar. 

Por outro lado, a economia ucraniana está em apuros e depende da ajuda ocidental. Por esse motivo, analistas ocidentais influentes dizem que o tempo não está do lado da Ucrânia – e que, se Kiev quiser vencer, precisa fazer isso rapidamente. Em Munique, houve muitos pedidos para que se envie à Ucrânia toda a ajuda de que precisa para partir para uma ofensiva neste segundo trimestre e infligir uma derrota decisiva à Rússia. 

Um cenário auspicioso esboçado por algumas autoridades ocidentais é que, se a Ucrânia empurrar a Rússia de volta para os portões da Crimeia, então Putin poderá ser forçado a negociar. O melhor cenário é que isso poderia ser alcançado até o terceiro trimestre. 

Mas esse cenário envolve alguns atos de fé. No momento, são os russos que estão fazendo pequenos avanços no campo de batalha. Os ucranianos poderão em breve ser forçados a se retirar de Bakhmut, onde há combates brutais. Uma contraofensiva ucraniana é amplamente esperada. Mas as forças armadas ucranianas sofrem com falta de munição e carecem de alguns equipamentos de que precisariam para obter ganhos rápidos – em especial, aviões de combate. 

Mesmo se os ucranianos avançarem, não há nenhuma garantia de que negociações de paz se seguirão. Diante de mais humilhações no campo de batalha, é mais provável que Putin tentaria uma escalada do conflito, em vez de reconhecer a derrota. Embora a conversa de que o líder russo possa usar armas nucleares tenha diminuído nos últimos meses, ela não foi totalmente descartada. 

Outra forma de escalada que vem crescendo na lista de preocupações do Ocidente é que a China poderá mudar de posição e começar a fornecer armas para a Rússia. Essa possibilidade poderá aumentar se Putin parecer estar à beira de uma derrota. 

Também está claro que há uma divergência latente entre a Ucrânia e seus aliados ocidentais sobre os objetivos da guerra. Os ucranianos insistem que querem recapturar todo o território ocupado pela Rússia, incluindo a Crimeia. As autoridades ocidentais não contradizem esse objetivo em público. Mas, em particular, poucos acreditam que retomar a Crimeia seja um objetivo de guerra realista. 

Alguns afirmam que o papel crítico do Ocidente em ajudar a Ucrânia significa que os Estados Unidos e seus aliados podem levar Kiev à mesa de negociações a qualquer momento que eles considerarem apropriado. Na prática, porém, os ucranianos têm um capital moral tamanho que os governos ocidentais relutarão em pressioná-los abertamente, especialmente se eles estiverem avançando. 

Os ucranianos ainda precisam considerar a possibilidade de que o apoio ocidental poderá diminuir com o tempo. Tanto os republicanos como os democratas da grande delegação do Congresso dos EUA em Munique foram inflexíveis sobre o apoio americano à Ucrânia ser sólido como uma rocha. Mas as eleições presidenciais nos EUA poderão mudar esse clima. O cenário político também poderá mudar na Europa, se partidos populistas avançarem mais. 

A Rússia está contando com isso, é claro. Conforme disse uma autoridade ocidental: “Putin acha que nos falta paciência estratégica e que acabaremos perdendo o interesse [pela Ucrânia]”.

Mas, assim como Moscou espera que a determinação ocidental vá se quebrar, a Ucrânia e seus aliados estão observando atentamente a Rússia em busca de quaisquer sinais de reconsideração ou ameaças a Putin. 

Como os dois lados têm alguma razão em esperar que o outro ceda, ambos têm um incentivo para continuar lutando. 

É certo pressionar por uma resolução rápida para esta guerra. Mas pode ser mais realista esperar um conflito prolongado. 

https://valor.globo.com/mundo/noticia/2023/02/24/nao-ha-um-caminho-rapido-para-a-paz-na-ucrania.ghtml

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