Francesa Annie Ernaux ganha o Prêmio Nobel de Literatura 2022

Annie Ernaux. Nem Murakami nem Ngugi Wa Thiong’o, eternos candidatos. Nem Salman Rushdie, que subiu nas apostas após o atentado sofrido em agosto. Foi Annie Ernaux que ganhou o Prêmio Nobel de Literatura. Uma mulher – a 17.ª entre 119 homens homenageados desde a criação do prêmio, em 1901, e a primeira francesa.

Annie Ernaux escreve sobre sua vida. E ao escrever sobre sua vida – sobre aborto que fez na juventude, o relacionamento com o um homem mais jovem ou a violência de seu pai –, com o olhar que lhe é característico, ela escreve sobre o seu tempo e lugar.

A autora francesa não atendeu a ligação da Academia Sueca no início da tarde de ontem (começo da manhã no Brasil). Tradicionalmente, os premiados ficam sabendo minutos antes do resto do mundo. Mais tarde, falou rapidamente com a imprensa na porta de sua casa, em Cergy, pequena cidade a 30 quilômetros de Paris. Ela estava chegando, e foi lacônica: “Estou muito feliz, muito orgulhosa. Voilà, isso é tudo”. Depois, mais calma, ela daria uma coletiva.

Além de uma renovação de sua fama internacional, novos contratos de tradução e de um lugar no “cânone” literário, Ernaux vai ganhar cerca de US$ 900 mil. A cerimônia de premiação será em Estocolmo, na Suécia, no dia 10 de dezembro.

Antes disso, a escritora de 82 anos deve vir ao Brasil. Menos de um mês atrás, ela foi anunciada como uma das principais convidadas da Festa Literária Internacional de Paraty (Flip), a realizar-se entre 23 e 27 de novembro.

Annie Ernaux nasceu em 1940, em Lillebonne, na França, estudou na Universidade de Rouen e foi professora do Centre National d’Enseignement par Correspondance por mais de 30 anos. Autora de cerca de 20 livros, ela foi revelada em 1983, com O Lugar – referência para muitos autores que mesclam autoficção e sociologia em suas obras. Em 2017, ela ganhou o Prêmio Marguerite Yourcenar pelo conjunto da obra.

A obra de Annie Ernaux

Ao anunciar o nome de Annie Ernaux como a vencedora do Prêmio Nobel de Literatura, a Academia Sueca justificou sua escolha pela “coragem e agudeza clínica com que ela descobre as raízes, os distanciamentos e restrições coletivas da memória pessoal”.

Anders Olsson, presidente do comitê do Nobel de Literatura, disse que Ernaux se refere a si como “uma etnóloga de si mesma” em vez de uma escritora de ficção. Seus livros, quase sempre breves, narram eventos de sua vida e das pessoas ao seu redor, seus encontros sexuais, o aborto, doenças e a morte de seus pais. Segundo Olsson, o trabalho de Ernaux é, muitas vezes, “intransigente e escrito em linguagem simples e direta”.

Ele também disse que ela alcançou algo “admirável e duradouro” e que com sua escrita ela busca oferecer uma visão muito objetiva dos eventos que está descrevendo, e não uma imagem “moldada por descrições floreadas ou emoções avassaladoras”.

À Associated Press, ele definiu Annie Ernaux como “uma escritora extremamente honesta que não tem medo de confrontar as duras verdades, as experiências realmente difíceis”.

Entre seus temas, abordados sempre a partir de sua experiência pessoal, estão relações familiares e sociais, violência e os direitos das mulheres. Ao contar sua história, ela explora e expõe a vida na França.

Durante o anúncio, o porta-voz do Nobel disse que não há nenhuma “mensagem” na escolha por Annie este ano, e que o critério é, e sempre foi, a qualidade literária.

A primeira entrevista de Annie Ernaux

Horas depois do anúncio, Annie Ernaux falou com a imprensa na sua editora, a Gallimard, em Paris. Em seu pronunciamento, ela defendeu ferozmente o direito das mulheres ao aborto e aos contraceptivos. “Lutarei até meu último suspiro para que as mulheres possam escolher ser mães ou não ser. É um direito fundamental”, disse a escritora.

Um de seus livros mais conhecidos é O Acontecimento, cuja adaptação para o cinema foi premiada no Festival de Veneza em 2021. Nele, a autora conta sobre o aborto que fez na juventude, quando ele era proibido na França – agora, a interrupção da gravidez é permitida no país até a 14.ª semana de gestação.

Annie Ernaux, que estreou na literatura em 1974, com o romance biográfico Os Armários Vazios, também falou sobre a importância de continuar lutando pelos direitos das mulheres e de ter esperança na paz – ela viveu sua infância durante a Segunda Guerra Mundial.

Emannuel Macron, presidente da França, usou sua conta no Twitter para festejar o Nobel de Ernaux: “Annie Ernaux escreve há 50 anos o romance da memória coletiva e íntima de nosso país. Sua voz é a da liberdade das mulheres”. Ele reconhece sua contribuição, mas o contrário não é verdadeiro. Defensora de causas de esquerda por justiça social, ela já disse que Macron, em seu primeiro mandato como presidente, não conseguiu promover a causa das mulheres francesas.

https://www.estadao.com.br/cultura/literatura/francesa-annie-ernaux-ganha-o-premio-nobel-de-literatura-2022/

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