Após anos, alta da inflação volta a preocupar os EUA

Uma ligeira alta no índice de preços ao consumidor (IPC) de janeiro nos EUA deverá entrar no radar da próxima reunião do Federal Reserve, o banco central americano, e poderá servir como alerta sobre os efeitos futuros das medidas de estímulos fiscais do governo do presidente Donald Trump.

A alta de 0,6%, em janeiro, foi o dobro da de dezembro, de 0,3%. O índice acumulado dos últimos 12 meses está em 2,5%, acima da meta do Fed, que é de 2%. Esses dados deverão ser debatidos na próxima reunião do comitê de política monetária do Fed (Fomc, na sigla em inglês), entre 14 e 15 de março.

“O índice de preços ao consumidor mostra que tivemos um mês forte e, talvez, a convergência do Fed para o centro da meta no longo prazo esteja um pouco à frente do cronograma”, disse Dennis Lockhart, presidente do Fed de Atlanta, em entrevista à TV Bloomberg, na última sexta-feira. “Devemos olhar para o redor de 2%”, enfatizou Lockhart, que deverá deixar o cargo no próximo dia 28.

Em entrevista à mesma emissora, Stanley Fischer, vice-presidente do Fed, ressaltou a intenção de manter a inflação perto da meta. “A nossa meta é de 2%. Se [a inflação] for algo perto de 2% não é
um problema. Mas, se for significativamente acima de 2%, você começa a se preocupar e a agir”, advertiu, como mostrou artigo de Juliano Basile, no Valor de 21/02

Ele disse ainda que o Fed vai buscar manter distância dos embates políticos no país. “Levamos em conta o que acontece com a economia. Não vamos tomar decisões de acordo com as pressões políticas. Temos metas e vamos trabalhar para atingi-las”, enfatizou.

Ambos as avaliações estão em linha com a última manifestação da presidente do Fed, Janet Yellen, ao Congresso americano, no dia 14. Na ocasião, Yellen enfatizou que o Fed vai tomar suas decisões com base nas informações que tiver sobre a economia americana, e não pela expectativa de medidas de política econômica futuras do governo Trump e do Congresso de maioria republicana.

Por outro lado, o Fed poderá ter que ajustar a sua atuação dependendo dos impactos das medidas que o governo e o Congresso vierem a adotar. A elevação da inflação, neste contexto, é um alerta.

“Yellen não falou muito mais do que o que estamos dizendo. 2017 será um ano com mais elevações [na taxa de juros], talvez, duas ou três. Ela manteve isso vivo”, disse Lockhart.

“O depoimento de Yellen no Congresso forneceu um pouco mais de clareza sobre o pensamento do Fed e o seu tom um pouco mais ‘hawkish’ [a favor de aperto monetário] prontamente levou forneceu a probabilidade de uma elevação dos juros em março perto de 50%”, avaliou Sonja Gibbs, diretora de Mercados de Capitais Globais do Instituto de Finanças Internacionais (IIF, na sigla em inglês).

Num cenário base, o Conselho de Governadores do Fed estimou, em texto concluído no último dia 10, que o IPC deverá permanecer numa taxa anual um pouco abaixo de 2,5%, até o fim de 2018. Porém, especialistas advertem que esse cenário pode ser alterado pela condução da política econômica nos EUA.

Peter Morici, economista da Universidade de Maryland, advertiu em artigo que o crescimento econômico esperado num curto prazo pelas medidas de Trump pode não ocorrer de maneira suficiente para garantir que os ganhos salariais subam tão rapidamente quanto os preços.

Um dos problemas, segundo ele, é que as propostas de Trump que tendem a gerar crescimento do país no curto prazo podem não ser implementadas tão rapidamente quanto o esperado. “As promessas de Trump de cortar impostos, fazer reformas, adotar iniciativas para a infraestrutura e para a desregulamentação deverão encontrar uma série de obstáculos”, prevê Morici.

Uma dessas barreiras estaria em posições defendidas dentro do próprio Partido Republicano no sentido de evitar que as propostas provoquem uma elevação excessiva no déficit do país. A outra está na aprovação dos planos de Trump no Congresso – algo que não parece trivial dada a dificuldade que o presidente está encontrando para aprovar os nomes de sua equipe de governo.

Seth Klarman, um dos gerenciadores de investimentos mais renomados do país, escreveu a clientes que as medidas de estímulos fiscais de Trump podem levar ao aumento da inflação e afetar as perspectivas de crescimento de longo prazo dos EUA, jogando-as para baixo. “O plano de corte de impostos pode elevar o déficit do governo de maneira consideravelmente grande.”

Uma das preocupações do Fed está na proposta de supressão de pontos da lei Dodd-Frank, que estabeleceu, em 2010, uma série de normas para os bancos e empresas do setor financeiro de maneira a evitar crises como a de 2008.

Em seu depoimento ao Congresso, Yellen defendeu essa lei. Mas, na semana passada, o Senado aprovou Steve Mnuchin para o cargo de secretário do Tesouro e, logo depois, Trump determinou a ele que faça uma revisão completa da lei Dodd- Frank. Se isso ocorrer, haverá mais pressão sobre o Fed para agir.

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