Mike Nichols, filmes, cenas e canções

Pedro de Santi

Neste último dia 20 de novembro, morreu o diretor de cinema Mike Nichols, aos 83 anos. Embora todas as notícias o associem ao seu último grande sucesso, “Closer” (2004), para mim, sua marca maior é “A primeira noite de um homem” (1967). Ao ler a notícia, também me deparei com uma lista de filmes de que gosto muito e que nem havia me dado conta de que eram dele. E ganhei a vontade de ver 3 ou 4 que passei a saber que eram dele e ainda não vi. Seus filmes têm temáticas muito variadas e são sempre ricos na construção psicológica das personagens.
Assisti “A primeira noite de um homem” já adulto, depois da fase de vida retratada ali, e a impressão que ele me produziu foi muito forte. Talvez seja um dos filmes que (me) fale melhor sobre a iniciação da vida adulta. As grandes expectativas familiares que temos medo de não darmos conta de atender; o abismo que as separam de nossas próprias demandas, ainda mal formuladas e perturbadoras. O silêncio e a introspecção como refúgios imprescindíveis. Aquele desejo misturado de sair logo de casa para ter a própria vida e o de não se transformar em adulto de jeito nenhum: olhando para aqueles que vemos em torno, temos como modelo e nos parecem frustrados e hipócritas. O poderoso desejo sexual ante a falta de recursos para vivê-lo. O abismo que parece nos separar do que está do outro lado do mergulho.
E há no filme, além de tudo, a trilha sonora sensacional de Paul Simon, cantando em dupla com Art Garfunkel. Em 1967, a dupla Simon and Garfunkel era muito jovem e Simon compôs naquele período um número impressionante de clássicos da canção americana: dentre eles, The sound of silence. Sempre me lembro dela tocando numa sequência antológica que alterna imagens: Dustin Hoffman mergulhando na piscina e permanecendo submerso para se isolar da família; e cenas dele pulando e saindo da cama com Anne Bancroft em sua verdadeira iniciação ao mundo adulto. Esta ideia de um tempo parado, suspenso, irreal e silencioso, sob o ruído dos acontecimentos, tudo me remete diretamente aos meus 20 anos. Mas sem uma Mrs. ou Ms. Robinson por ali.
Bancroft é Mrs. Robinson, da também antológica canção: mulher adulta, forte, desejante. Destino terrível para os dois: ele é o jovem que precisa aprender as coisas da vida com ela, que não é quem ele deseja como parceira; ela, madura, casada, mãe e frustrada, ansiando por voltar a ser desejada. Ela é uma mulher bela, mas que começa a perceber as marcas do envelhecimento e a perda do lugar de mulher desejada. Ela é deixada de lado pelo jovem que se interessa por sua própria filha. Ainda que ela se torne a “vilã” da história, há uma terrível tragédia feminina sendo retratada nesta ali. Hoje, vejo melhor este aspecto.
Com o perdão do spoiler, há também o reencontro consigo na cena final do ônibus que parte: com elementos de infantilidade, romantismo e um sutil ar melancólico, talvez pelo fim da inocência. Mas há o encontro entre o que ele quer da vida e o que ele deseja; encontro que nunca chega para muitos.
Nichols sempre trabalhou com elencos de primeira linha e trilhas sonoras marcantes. Cito abaixo algo de minha memória afetiva evocada pela morte de Nichols:
Um catártico mito do herói feminino, em “Uma secretária do futuro” (1988). Com a estética imperdoável dos anos 80 (ombreiras, meias de grossas de ginástica, etc.). Ao lembrar do filme, vem junto Carly Simon cantando “Let the river run”.
A série “Angels in America”, feita para a tv americana, mas que saiu em dvd e ganhou muitos prêmios. É uma belíssima história envolvendo a explosão da Aids nos anos 80. À época, foi uma série corajosa, oportuna e delicada.
Em “Lembranças de Hollywood (1990)”, numa passagem, a personagem de Shirley MacLayne diz ser de meia idade; a filha, interpretada por Meryl Streep, responde: “quantas pessoas com 120 anos você conhece?”
O desafio de refilmar o clássico francês “A Gaiola das loucas” (1996), com muita originalidade e sucesso. E a impagável cena com o seriíssimo Gene Hackman, como um político escapando da imprensa travestido, ao som de “We are family”, do grupo Sisters Sledge.
“Closer” (2004), com todas as suas reviravoltas na trama e no jogo dos desejos, também envolvendo o fim da inocência. E a canção que não parava de tocar- “I can’t take my eyes of you”, de Damien Rice-, que recebeu uma versão pavorosa em português.
Ou seja, perdemos um daqueles diretores que nos acompanharam por quase 50 anos produzindo nossa trilha sonora e fazendo com que o cinema seja um sonho que sonham por nós. Vai fazer falta.

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