The Economist: A questão climática

De um ano para o outro, você não consegue sentir a diferença. À medida que as décadas se acumulam, a história se torna clara. As faixas em nossa capa representam a temperatura média do mundo todos os anos desde meados do século 19. Os anos azul-escuro são mais frios e os vermelhos, mais quentes que a média em 1971-2000. A mudança cumulativa dá um salto. O mundo está cerca de 1ºC mais quente do que quando esta publicação era jovem. 
Representar esse período como um conjunto de faixas pode parecer reducionista. Foram anos com guerras mundiais, inovação tecnológica, comércio em escala sem precedentes e uma criação surpreendente de riqueza. Mas essas histórias complexas e as faixas simplificadoras compartilham uma causa comum. A mudança climática e o notável crescimento dos números e riquezas humanas surgem a partir da combustão de bilhões de toneladas de combustível fóssil para produzir energia industrial, eletricidade, transporte, aquecimento e, mais recentemente, computação. 
Que a mudança climática afeta tudo e todos deve ser óbvio – e os pobres têm mais a perder. Menos óbvio, mas de importância igual, é que, porque os processos que forçam as mudanças climáticas estão incorporados nos fundamentos da economia mundial e da geopolítica, as medidas devem ser igualmente abrangentes e inclusivas. Cortar emissões não é simples; requer revisão quase completa. Para alguns, incluindo muitos dos milhões de jovens que fizeram greve climática global, a reforma exige nada menos que castrar ou extirpar o capitalismo. O sistema cresceu com uso crescente de combustível fóssil. E a economia de mercado fez pouco para ajudar. Quase metade do CO2 extra foi lançada na atmosfera após a virada dos anos 1990, quando cientistas alertaram e governos prometeram agir. Concluir que a mudança climática significa agrilhoar o capitalismo é prejudicial. Economias de mercado criam a resposta necessária. Mercados competitivos adequadamente incentivados e políticos que atendam à sede popular por ação podem fazer mais do que qualquer outro sistema para limitar o aquecimento evitável e lidar com o que não se pode evitar. 
É importante entender tudo o que a mudança climática não é. Não é o fim do mundo. A humanidade não está à beira da extinção. O planeta não está em perigo. É antigo, resistente e sobreviverá. E, embora muito possa se perder, a maior parte da vida que torna a Terra única, até onde astrônomos podem dizer, persistirá. É uma ameaça terrível para inúmeras pessoas, de alcance planetário. Deslocará dezenas de milhões, no mínimo; perturbará fazendas das quais bilhões dependem; secará poços e tubulações; inundará áreas baixas – e, depois, as mais altas. É verdade que criará algumas oportunidades, ao menos no curto prazo. Mas quanto mais a humanidade demora para cortar emissões, maiores os perigos e mais escassos os benefícios – e mais risco de surpresas catastróficas.
Não é só um problema ambiental ao lado de todos os outros – e absolutamente não pode ser resolvido pelo autoflagelação. A mudança por parte dos mais alarmados não é suficiente. É uma questão para todo o governo. Não pode ser desviado para o ministro que ninguém conhece. Não pode ser adiado por algumas décadas. Está aqui e agora. Já torna eventos extremos, como o furacão Dorian, mais prováveis. Suas perdas já estão presentes – em paisagens monótonas onde geleiras morrem e em recifes desbotados. Um atraso significa que a humanidade sofrerá mais danos e enfrentará luta bem mais cara para compensar o tempo perdido.
Juntos. O que se deve fazer já está entendido. E uma tarefa vital é a especialidade do capitalismo: melhorar a vida das pessoas. A adaptação, incluindo defesas marítimas, usinas de dessalinização e culturas resistentes à seca, custa caro. Um problema em particular para países pobres, sob risco de ciclo vicioso em que impactos climáticos roubam a esperança de desenvolvimento. Acordos internacionais enfatizam a necessidade de apoio a países mais pobres nos esforços para se adaptar à mudança climática e enriquecer o suficiente para precisar de menos ajuda. Aqui o mundo rico se esquiva de deveres. 
Mesmo se os cumprisse, de modo algum todos os impactos serão resolvidos. Quanto mais a mudança climática avança, menos a adaptação é capaz de compensá-la. Isso leva à necessidade de cortar emissões. Com melhorias tecnológicas plausíveis e investimento, é possível criar redes de eletricidade sem centrais emissoras de CO2. O transporte rodoviário pode ser eletrificado, embora seja mais difícil para viagens longas e aéreas. Processos industriais podem ser reequipados. Os esforços hoje, frouxos demais para evitar que o mundo esquente de 2°C ou até 3°C, podem ser aprimorados. Forçar empresas a revelar vulnerabilidades na questão climática ajudará investidores a alocar capital. Um preço robusto para o carbono poderia incentivar inovações. Mas, por mais poderosa que seja essa ferramenta, o corte em emissões que ela traz precisará ser acelerada por regulamentos bem direcionados. O problema com essas políticas é que o clima responde ao nível geral de CO2 na atmosfera, e não à contribuição de um país. Se um governo reduz drasticamente suas emissões, sem que os outros o façam, não verá danos diminuídos.
O dano depende da resposta humana nas próximas décadas. Se o espírito empresarial que primeiro usou o poder de combustíveis fósseis na Revolução Industrial sobreviver, os países onde ele mais prosperou devem estar dispostos a transformar o maquinário da economia sem renunciar aos valores a partir dos quais a economia nasceu. Alguns dizem que o amor do capitalismo pelo crescimento inevitavelmente o põe contra um clima estável. Esta publicação acredita que estão errados. Mas a mudança climática pode, apesar de tudo, ser a sentença de morte para a liberdade econômica. Se o capitalismo quiser manter seu lugar, deve estar preparado para isso.

https://sustentabilidade.estadao.com.br/noticias/geral,the-economist-a-questao-climatica,70003019838

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