Setor bancário europeu enfrenta momento difícil

Quando o executivo-chefe do Commerzbank apresentou seu novo plano estratégico no mês passado, ele iniciou a coletiva de imprensa declarando: “Este é um dia maravilhoso.” Infelizmente para seus investidores, Martin Zielke não se referia às perspectivas do Commerzbank, ou do setor bancário europeu em geral: ele estava desejando feliz aniversário a um colega.
Foi um momento de leveza em uma apresentação no geral desalentadora. Zielke desfiou uma ladainha de problemas que ameaçam a lucratividade dos bancos europeus, entre elas as taxas de juro negativas na zona do euro, as novas regulamentações e o lento crescimento econômico.
Os investidores ouvirão o mesmo refrão repetidamente nas próximas semanas, à medida que os bancos europeus divulguem seus resultados do terceiro trimestre. Alguns estão mais bem preparados do que outros para resistir à pressão, mas todos enfrentam a mesma realidade: administrar um banco na Europa, que já era uma luta extremamente árdua desde a crise, está prestes a ficar ainda mais difícil.
“Os executivos de bancos na Europa estão deprimidos, desanimados e preocupados; há uma confluência de fatores que está minando a lucratividade no médio prazo”, disse um consultor de grandes instituições financeiras europeias. “Há perguntas genuinamente fundamentais sobre seu futuro.”
O maior dos problemas é o fantasma das taxas de juros persistentemente baixas na zona do euro. Em setembro, Mario Draghi, que está deixando a presidência do Banco Central Europeu (BCE), reduziu sua taxa de depósito principal para -0,5%, pressionando ainda mais a receita financeira líquida dos bancos, o que é gerado com os empréstimos. A expectativa dos mercados é a de que as taxas fiquem nesse patamar ou caiam ainda mais depois que Christine Lagarde assuma o BCE.
O impacto das taxas de juro negativas é especialmente doloroso porque muitos executivos na Europa esperavam até recentemente que o BCE começasse a endurecer a política monetária. Um grande investidor bancário descreve sua malfadada abordagem como “o grande comércio da reflação”.
O novo plano estratégico do Commerzbank mostra o quão prejudicial é a política do BCE para os bancos da região. Em seu plano anterior, divulgado em 2016, o banco avaliou que, se as taxas subissem, poderia conseguir um retorno de mais de 8% sobre o patrimônio tangível (Rote, de Return on Tangible Equity, uma das principais medidas da lucratividade) até 2020. No plano anunciado no mês passado, o banco agora visa um Rote de “mais de 4% no médio prazo”.
As taxas de juros negativas não são o único fator a ameaçar as receitas dos bancos. Na Alemanha, o mercado doméstico do Commerzbank, o setor é dominado pelos Sparkassen, os bancos pertencentes a municipalidades, e seus irmãos maiores, os Landesbanks, que podem oferecer empréstimos tão baratos que nem são rentáveis, porque não precisam se preocupar em pagar dividendos ou maximizar lucros. Isso força o Commerzbank e seu maior rival, o Deutsche Bank, a criar negócios com margens baixas para poder competir.
No Reino Unido, os bancos não precisam lidar com taxas negativas, mesmo que os juros estejam próximos de suas mínimas históricas. Mas a legislação introduzida recentemente obrigou os bancos a “proteger” suas operações no Reino Unido de suas divisões de bancos de investimento e internacionais. As reformas deixaram alguns bancos, notavelmente o HSBC, inundados com dezenas de bilhões de libras de liquidez, que eles estão empregando no mercado de hipotecas, o que resulta em uma guerra de preços na área de empréstimos imobiliários.
Mesmo os bancos que são geograficamente diversificados, como o HSBC, que gera cerca de 80% de seu lucro na Ásia, podem ter dificuldades para compensar o impacto da guerra comercial entre os EUA e a China e da escalada de protestos em Hong Kong. Aproximadamente 25% da receita do HSBC em Hong Kong está em risco se a cidade sucumbir a uma recessão de longo prazo, de acordo com uma fonte informada sobre suas finanças.
A pressão sobre as receitas ameaça ampliar o fosso que já existe entre a Europa e os EUA, onde os bancos geram quase dez pontos percentuais a mais em retornos do que seus pares europeus, de acordo com um relatório da McKinsey. Segundo o relatório, o retorno médio sobre o patrimônio foi de 16% no ano passado para os bancos americanos, enquanto foi de 6,5% para seus rivais na Europa Ocidental.
“Fundamentalmente, a diferença está no lado da receita”, disse Chirantan Barua, sócio da McKinsey e um dos autores do estudo. Segundo ele, os Estados Unidos se beneficiam de taxas mais altas, impostos mais baixos e um crescimento de empréstimos melhor. “Os EUA são uma das poucas áreas em que se viu um crescimento dos empréstimos acima do Produto Interno Bruto (PIB) nominal, enquanto na Europa, em todos os mercados, ele está abaixo.”
Dado que os bancos europeus têm relativamente pouco controle sobre as forças externas que prejudicam as receitas, muitos executivos-chefes se concentraram no controle de custos para manter a lucratividade. A expectativa dos investidores é a de que há mais por vir. Recentemente, o HSBC embarcou em uma campanha pela eficiência que, junto com eventuais demissões, ameaça até dez mil empregos.
Mas alguns investidores e consultores temem que as opções de corte de custos dos bancos estejam quase esgotadas, pois já reduziram o número de seus funcionários em milhares por meio de planos de aposentadoria antecipada e não substituíram os funcionários que saírem.
Espera-se também que as novas regras mundiais para o capital, conhecidas como Basileia 4, exerçam pressão sobre os bancos quando forem implementadas, entre 2022 e 2027. De acordo com um relatório recente do Citi, se as regras estivessem em vigor hoje, os bancos europeus enfrentariam um déficit de capital de € 130 bilhões, sem levar em conta as várias medidas que as instituições e as agências reguladoras poderiam adotar para mitigar esse impacto. As novas exigências podem reduzir o montante de excesso de capital que os bancos retornam aos acionistas por meio de recompras e dividendos, com os pagamentos de UBS, RBS, HSBC e Lloyds em risco, segundo o Citi.
“Temos a impressão de que até certo ponto a Basileia 4 foi esquecida, em meio a todas as discussões sobre o quanto as taxas de juros podem cair e se estão arrastando para baixo a lucratividade dos bancos”, disse Stefan Nedialkov, analista do Citi. Nedialkov observou que o impacto de Basileia 4 já está sendo sentido, à medida que algumas agências reguladoras nacionais introduzem regras mais rígidas antes do prazo. No início deste mês, o banco central holandês anunciou que obrigaria os bancos a manter capital adicional para hipotecas residenciais, o que aumentaria seus requisitos em cerca de € 3 bilhões.
Alguns executivos de bancos dizem que regras de capital mais rígidas tornarão o setor ainda menos atraente para investidores, e argumentam que a implementação de Basileia 4 na Europa é mais punitiva do que nos EUA. Jean Pierre Mustier, executivo-chefe do UniCredit e presidente da Federação Europeia de Bancos, aponta para um estudo recente da Autoridade Bancária Europeia que mostra que Basileia 4 reduziria em 27% os índices de capital de nível 1 dos oito maiores bancos da Europa. Um estudo separado estima o impacto nos bancos dos EUA em 5% a 6%.
“Com o tempo, isso tornará os bancos europeus menos atraentes”, alertou Mustier, que há pouco tempo pediu uma revisão urgente da regulamentação bancária na zona do euro. “[Os bancos] terão que pagar mais pelo capital, dívida e patrimônio, e, portanto, serão menos capazes de servir e financiar clientes europeus.” Ele questiona: “O bancos europeus serão bem-sucedidos em seus esforços de lobby para tentar mitigar esse impacto o máximo que puderem”?
Fora pressionar as autoridades na Europa para que mostrem “tolerância regulatória”, os bancos estão ficando sem opções para proteger a lucratividade. É por isso que alguns executivos do segmento de M&A estão prevendo uma série de fusões e aquisições para consolidar o setor. Embora as fusões transfronteiriças ainda sejam consideradas muito complexas, muitos consultores esperam uma série de transações domésticas, especialmente na Itália, onde o UBI Banca é visto como um consolidador potencial, de acordo com um executivo-chefe de um banco italiano.
Alguns banqueiros também acreditam que a malfadada tentativa de fundir o Deutsche Bank e o Commerzbank, que foi abandonada em abril, poderia ser ressuscitada. Um deles disse que o recente plano estratégico do Commerzbank equivalia a uma “bandeira branca metafórica”.
Mas conseguir uma transformação tão radical não será tarefa fácil, sob o olhar receoso de investidores que já estão perdendo a paciência. “Desde maio, tudo o que tivemos foram conversas horríveis sobre o setor bancário”, diz um executivo que dá consultoria a vários bancos europeus. “Os executivos dos bancos estão exasperados.”

https://valor.globo.com/financas/noticia/2019/10/23/setor-bancario-europeu-enfrenta-momento-dificil.ghtml

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