Por que as crises na Itália se repetem e os governos duram pouco?

Nas últimas três décadas, a Itália teve 13 primeiros-ministros. Agora, com a demissão do primeiro-ministro Giuseppe Conte na terça-feira, 20, após pouco mais de um ano no cargo, com disputas com o ministro do Interior, Matteo Salvini, a Itália deve adicionar mais um novo governo à essa conta. Mas o próximo durará mais?
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Dado o histórico da Itália e a atual situação política, as chances não parecem grandes. Até mesmo os períodos de relativa estabilidade da Itália têm sido instáveis: o único premiê a cumprir um mandato de cinco anos desde 1989 é Silvio Berlusconi, o bilionário impetuoso que tem sido sinônimo de escândalo.
Este nível de rotatividade política na Itália é incomum para uma economia avançada. Entre os vizinhos da Europa Ocidental da Itália, a Alemanha teve três chanceleres, a França teve cinco presidentes e o Reino Unido teve sete primeiros-ministros no tempo em que a Itália teve 13. Mesmo a Austrália, notória por seus próprios problemas em manter um governo nos últimos anos, só teve nove primeiros-ministros desde 1989.
O anúncio de Conte esta semana é incomum em alguns aspectos, mas típico em outros. No cargo desde junho de 2018, o jurista foi o chefe de governo independente do primeiro governo populista real na Europa Ocidental, liderando uma coalizão que incluía o Movimento Cinco Estrelas (M5S), anti-establishment, e a Liga, de direita.
Em pouco tempo, a coalizão tornou-se uma aliança rebelde. Matteo Salvini, vice-primeiro-ministro e líder da Liga, retirou o apoio de seu partido do governo neste mês e pressionou por eleições antecipadas, na esperança de capitalizar o aumento do apoio à sua candidatura nas pesquisas. O anúncio de Conte na terça-feira foi uma manora pra evitar um  voto de desconfiança no Parlamento.

A aposta de Matteo Salvini
Mas parece que a aposta de Salvini também pode não valer a pena. Buscando evitar uma nova eleição, o Movimento Cinco Estrelas pode tentar unir forças com o Partido Democrático, de centro-esquerda, ou mesmo com o Forza Italia, o partido de centro-direita liderado por Berlusconi, no auge dos seus 82 anos.
Essa aliança poderia pedir a Conte para retornar à posição do primeiro-ministro, mas para liderar uma nova coalizão governamental. No sistema político relativamente complicado da Itália, esse tipo de aritmética parlamentar é um problema persistente.
A Itália adotou um sistema de votação puramente proporcional – o que significa que os assentos no Parlamento são dados aos partidos pela proporção do voto que receberam. Isso levou a um grande número de pequenos partidos e frequentes governos de coalizão, além de um impasse político.
Em 1994, após um amplo escândalo de corrupção, o sistema de votação foi reformado e os poucos elementos de estabilidade política na Itália – em particular, o persistentemente popular Partido Democrata Cristão – foram dizimados. Desde então, tem havido uma série de tentativas de reformas destinadas a proporcionar maior estabilidade política na Itália.
Um governo de centro-esquerda liderado por Matteo Renzi, do Partido Democrata, fracassou em um referendo em 2016 que teria mudado a constituição da Itália para colocar mais poder nas mãos do primeiro-ministro. 

Um governo disfuncional
Uma reorganização separada levou o Parlamento a um sistema misto no ano seguinte, que veria dois terços do Parlamento eleito proporcionalmente e o terço final seria eleito diretamente nos distritos.
Mas os resultados das eleições em março de 2018 sugeriram que o novo sistema pouco fez para criar estabilidade. Antigos partidos como o Cinco Estrelas e a Liga aumentaram seu apoio, usurpando fatias do eleitorado de partidos políticos tradicionais. A fragmentação política que havia sido vista em vários países europeus nos últimos anos foi particularmente maior no sistema italiano.
Depois que os resultados foram divulgados, o jornal La Stampa publicou uma manchete sombria: “Itália ingovernável”. 
Conte, que não tinha experiência política, foi indicado para liderar o governo em junho do ano passado, depois que ficou claro que não havia nenhum vencedor. Mas como o apoio da Liga avançou nas pesquisas este ano e as divisões internas do Cincop Estrelas o levaram ao colapso, Salvini decidiu fazer uma jogada: indicar o fim da coalizão e promover uma moção de desconfiança de Conte.
O primeiro-ministro então pediu demissão, evitou o voto de desconfiança e tentou inviabilizar a jogada de Salvini. Em seu discurso, Conte disse que as medidas de Salvini foram “séria imprudência institucional, acima de tudo, mostrando desrespeito ao Parlamento, numa iniciativa capaz de levar o país a uma espiral de incerteza política e instabilidade financeira”.
Dado o histórico da Itália, essa previsão parece uma aposta segura.

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