O que ainda esperar dos Bitcoins

Joseph Kennedy, pai de John F. Kennedy, teria dito que, quando se começa a receber dicas de investimento do engraxate, é hora de começar a vender as ações. Isso foi no fim dos anos 1920. Um investidor em moedas digitais lembrou-se da história ao ver um anúncio no metrô de Londres que sugeria a aposentados que investissem em Bitcoins. “Seja como a Brenda”, dizia a peça, mostrando uma senhorinha de cabelos brancos que afirmava ter comprado Bitcoins em menos de dez minutos. 
As moedas digitais estão por toda parte. Segundo uma pesquisa, 5% dos americanos têm algum tipo de moeda digital – nada mau para um produto financeiro que tem apenas dez anos. O Bitcoin é a mais conhecida delas; em 2017, uma estonteante alta em seu preço – de US$ 3 mil em setembro para quase US$ 19 mil em dezembro – tornou-se manchete em todo mundo. 
O Bitcoin foi inventado em 2008 por um criptógrafo conhecido como Satoshi Nakamoto. Insatisfeito com o sistema financeiro convencional, ele quis criar um tipo de dinheiro que não dependesse de um operador central e estivesse livre do controle direto de governos ou bancos centrais. A ideia decolou. Hoje, qualquer um que queira investir em criptomoedas pode escolher entre Bitcoin, Ether, Litecoin e milhares de outras. Muitos dos que compraram no começo tiveram ganhos astronômicos, pelo menos no papel. Em 2010, um Bitcoin valia US$ 6. E mesmo no preço atual, de US$ 6.470, ele ainda oferece aos primeiros investidores um belo lucro.
As criptomoedas possibilitaram outro tipo de financiamento, as chamadas ofertas iniciais de moeda (ICO, em inglês), usadas principalmente por startups. Segundo estimativa, da Coinschedule, empresa que acompanha a evolução dessas moedas, de janeiro até agosto, 706 ICOs levantaram quase US$ 18 bilhões com investidores institucionais e privados. Em 2017, foram levantados US$ 3,7 bilhões em 221 ICOs. 
Muitas startups esperam se beneficiar com o blockchain – tecnologia que está por trás das criptomoedas. Em essência, blockchain é um banco de dados projetado para ser compartilhado com muitos usuários, para ser imutável e trabalhar sem supervisão de autoridades centrais. Essas características tornam a tecnologia apropriada para uma enorme variedade de novas aplicações em negócios. 
Segundo a consultoria industrial Crunchbase, nos cinco primeiros meses do ano, mais de US$ 1,3 bilhão em investimentos de risco foi para startups de blockchain. Empresas de tecnologia como IBM, Oracle e Amazon estão dando a seus clientes a chance de experimentar o blockchain. A consultoria KPMG oferece aos clientes um serviço de aconselhamento sobre a tecnologia, assim como faz a maioria de seus concorrentes. A Diar, consultoria especializada em criptomoedas, lista dezenas de pedidos de patente relacionados blockchain, feitos por companhias como o Bank of America, a Intel e a BritishTelecom. 
Apesar de uma década de desenvolvimento, o Bitcoin falhou no objetivo declarado: tornar-se uma moeda utilizável. A segurança é falha – estimativas apontam que, em torno de 14% das criptomoedas estão comprometidas; sua natureza descentralizada inevitavelmente o torna lento; não há proteção para o consumidor; e o preço é tão volátil que poucas pessoas aceitam usá-lo em troca por bens e serviços. As outras moedas digitais têm problemas semelhantes. 
Ao mesmo tempo, a aversão das criptomoedas por regulamentações torna as moedas atraentes para muitas pessoas. Algumas moedas virtuais tornaram-se esquemas de pirâmide e operadores usaram ICOs para enganar investidores. Autoridades americanas estão investigando denúncias de ampla manipulação de preços. Redes sociais baniram anúncios de ICOs por preocupações com fraude. É por isso que qualquer um que pense em investir em tais instrumentos deve antes fazer muita lição de casa.
Outra desvantagem é que é necessário o consumo de muita energia elétrica nas transações. Para se ter uma ideia, um banco de dados pode exigir eletricidade próxima ao consumo de países inteiros. 
As potenciais aplicações subjacentes à tecnologia de blockchain parecem muito mais atraentes, mas seu desenvolvimento tem sido mais lento que esperado e casos de aparente sucesso revelaram-se exagerados. Devido à necessidade de energia elétrica e sua lentidão, o blockchain teve de ser remodelado para uso em negócios, o que pode deixá-lo pouco diferente. A maioria dos projetos de blockchain, todavia, ainda está no estágio exploratório. Tudo isso sugere que, sejam quais forem os benefícios das redes blockchain, eles não virão da noite para o dia.

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