Califórnia processa ExxonMobil por campanha ‘enganosa’ que promove o ‘mito da reciclagem’

The New York Times; O procurador-geral da Califórnia, Rob Bonta, abriu um processo contra a gigante do petróleo ExxonMobil, alegando que a empresa realizou uma “campanha enganosa de décadas”, na qual exagerou suas promessas de reciclagem, e gerou uma crise de poluição plástica.

A ação judicial, apresentada no tribunal superior de São Francisco na última segunda-feira, 23, argumentou que as pessoas estavam mais propensas a comprar plásticos descartáveis por conta de uma falsa crença, promovida pela ExxonMobil, de que eles seriam reciclados.

Bonta disse que a empresa é uma das principais produtoras de um componente-chave usado para fabricar plásticos descartáveis. O processo busca danos não especificados que Bonta estimou em “vários bilhões de dólares”.

Em uma entrevista, Bonta disse que a poluição plástica foi “alimentada pelo mito da reciclagem, e o líder entre eles na perpetuação desse mito é a ExxonMobil”.

A ExxonMobil respondeu de forma incisiva, dizendo que as autoridades da Califórnia sabiam há décadas que seu sistema de reciclagem era ineficaz. “Eles não agiram e agora procuram culpar os outros”, disse a empresa em um comunicado. “Em vez de nos processar, eles poderiam ter trabalhado conosco para resolver o problema e manter o plástico fora dos aterros sanitários.”

O caso abre uma nova frente nas batalhas legais contra as empresas de petróleo e gás sobre questões climáticas e ambientais. Mais de duas dúzias de governos estaduais e locais, incluindo a Califórnia, processaram as empresas por seu papel na crise climática, alegando que as empresas enganaram o público em busca de lucro. Nenhum desses casos foi a julgamento até o momento.

Vários grupos ambientalistas saudaram o processo de segunda-feira como inovador para uma ação governamental contra uma empresa por suposta fraude relacionada à reciclagem de plástico. Isso ocorreu após uma investigação de mais de dois anos que incluiu intimações à ExxonMobil e grupos do setor.

Richard Wiles, presidente do Center for Climate Integrity, disse que o processo foi “a ação legal mais importante até o momento na luta global contra a poluição plástica”.

Quatro outros grupos ambientalistas – Sierra Club, Surfrider Foundation, Heal the Bay e San Francisco Baykeeper – também disseram na segunda-feira terem entrado com uma ação contra a ExxonMobil alegando violações da lei estadual de incômodo e leis de concorrência desleal.

Ambas as ações alegaram que a ExxonMobil promoveu o símbolo mundial da reciclagem, as setas que formam um triângulo, o que levou os compradores a acreditar que suas garrafas e outros produtos seriam reciclados se descartados adequadamente. Mas apenas cerca de 5% dos resíduos plásticos nos Estados Unidos são reciclados, de acordo com o escritório de Bonta, citando uma estimativa do grupo de defesa Beyond Plastics, que analisou os dados de 2021.

O procurador-geral disse que a investigação descobriu informações sobre alegações enganosas que a Exxon Mobil fez sobre seu programa de “reciclagem avançada”, que alega transformar plásticos usados em novos produtos.

A maior parte dos resíduos processados por meio do programa de reciclagem avançada da empresa é transformada em combustível, e os novos produtos contêm pouco material que foi realmente reciclado, mas são comercializados e vendidos com um preço maior, alega o processo. O escritório de Bonta chamou o programa de reciclagem avançada de “um golpe de relações públicas”.

A Exxon disse na segunda-feira que seu programa de reciclagem avançada era eficaz e que havia processado mais de 27 mil toneladas de resíduos plásticos em “matérias-primas utilizáveis”, mantendo-os fora dos aterros sanitários.

O processo observou que os plásticos podem se decompor em “microplásticos” no meio ambiente, potencialmente contaminando a água potável e o solo. Pesquisadores encontraram evidências de microplásticos dentro do corpo humano. A ação judicial solicitou a criação de um “fundo de redução” e outras penalidades financeiras.

Processo difícil

Bruce Huber, professor da Notre Dame Law School, especializado em direito ambiental e de energia, disse que o processo de Bonta enfrenta “uma batalha difícil” por conta da natureza obscura das leis de incômodo público (que tratam de questões como barulho ou odor excessivo para a comunidade), mesmo que haja evidências de que os fabricantes de plásticos não tenham sido “francos” sobre os desafios da reciclagem. “Pode ser difícil para um tribunal conceder à Califórnia uma indenização aqui sem abrir uma caixa de Pandora de outras reivindicações semelhantes”, disse Huber.

Em um relatório intitulado “The Fraud of Plastic Recycling” (A fraude da reciclagem de plástico) deste ano, o Center for Climate Integrity concluiu que as empresas de combustíveis fósseis e outras empresas petroquímicas usaram a “falsa promessa” de reciclagem para “aumentar exponencialmente a produção de plástico virgem nas últimas seis décadas”. Os plásticos são feitos de combustíveis fósseis.

O relatório afirma que a reciclagem de plásticos fracassou devido a limitações técnicas e econômicas: mesmo quando a reciclagem é tecnicamente possível, ela pode ser mais cara do que a produção de plástico novo e, portanto, é economicamente inviável, segundo o relatório.

Jane Patton, gerente de campanha do Center for International Environmental Law, disse esperar que outras cidades e Estados entrem com ações semelhantes às da Califórnia, e observou que muitas das ações judiciais movidas por governos estaduais e locais em relação à mudança climática foram construídas com base em alegações semelhantes sobre fraude. “Estamos vendo uma mudança de maré na busca de responsabilidade corporativa por meio dos tribunais por danos ao meio ambiente”, disse ela em uma entrevista.

Bonta disse que as preocupações sobre a eficácia da reciclagem poderiam levar a uma maior ênfase na reutilização de itens como garrafas de água e sacolas de compras. “Acho que as pessoas precisam conhecer os limites da reciclagem e o fato de que o que elas achavam que estavam reciclando há anos, na verdade, não foi reciclado”, disse.

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