Why we post?

João Matta

Em 2013, pouco tempo depois de ter defendido minha tese de doutorado, fui convidado pelo professor Daniel Miller e por seu orientando de doutorado Juliano Spyer a ser o professor local (Brasil) mediador do processo de desenvolvimento de uma pesquisa intitulada Why we post. Tratava-se de uma abordagem etnográfica envolvendo as mídias sociais, que seria aplicada em 8 diferentes países do mundo, incluindo o Brasil. Tal pesquisa conta com o apoio acadêmico e financeiro do European Research Council. Para que este apoio se completasse era necessário que houvesse, em cada país, uma instituição e um professor responsáveis pelo início e apoio técnico da pesquisa. No caso do Brasil, a ESPM foi a instituição que apoiou tal pesquisa e eu o responsável por sua viabilidade em nosso país. O local escolhido no Brasil para a pesquisa foi uma comunidade no interior da Bahia. Também participaram do projeto os seguintes países, além do Brasil: China, Itália, Chile, Inglaterra, Turquia, Índia e Trinida e Tobago.

Em todos os locais, foram 15 meses de intensa imersão dos pesquisadores na vida de seus informantes locais. Todo este trabalho de pesquisa, que segue a batuta da mais atual antropologia, está reunido em 11 volumes que foram lançados nos dias 29 de fevereiro e 1º de março na UCL (University College of London) em Londres. Além das informações estarem disponíveis em livros, também estão disponibilizadas em formato de curso em EAD, que teve início em 29 de fevereiro. São semanas de curso envolvendo todas as especificidades de cada local e as possíveis conclusões mais gerais em torno do tema

O lançamento aconteceu em dois dias, 29 de fevereiro e 1º de março. Foi organizado pelo professor Daniel Miller e equipe. Contou com uma apresentação em auditório na UCL no dia 29 de fevereiro à noite, quando todos pesquisadores tiveram voz para falar de suas pesquisas, dos percursos metodológicos e, principalmente, das relações tecidas pelas mídias sociais entre os públicos pesquisados, e com um intenso workshop com 27 convidados no dia 1º. Como responsável técnico e facilitador da pesquisa no Brasil, fui representando nossa instituição e nosso país neste evento. O workshop foi organizado em temas e, programado para às 9 horas, teve início, britanicamente, às 9 e 10. Foi até às 17 horas, com dois intervalos para o chá e um para o almoço, servidos lá mesmo na sala do evento, para incentivar o intenso diálogo entre os participantes. A cada uma hora do workshop, tínhamos um tema específico com 4 falas de 7 minutos, seguidas de discussão. Estava eu incumbido de falar sobre o as mídias sociais e o contexto de classes no Brasil. Aproveitei meus 7 minutos para contar a meus colegas de todos os 8 países ali representados como andam as coisas nas pesquisas que envolvem o tema por aqui. Citei o trabalho do Juliano que, entre outras abordagens, trabalha diretamente a questão de classe social em seu texto. Como o Juliano aborda em seu trabalho as classes menos privilegiadas, também mencionei minha pesquisa que envolve jovens das classes média e alta, para assim compor um quadro um tanto mais abrangente na minha fala. Para mim, uma grande experiência e uma enorme honra ser parte deste evento como convidado. Diferentes sotaques, visões de mundo e, principalmente, a riqueza da diversidade cultural exposta de forma elegante, respeitosa e 

A seguir, segue uma entrevista que foi concedida a mim pelo Juliano Spyer, nosso pesquisador brasileiro que é integrante da equipe do professor Miller neste brilhante trabalho Why we post.

1 – Considerando que muitos dos que irão nos ler são estudantes, conte-nos um pouco de sua trajetória profissional e acadêmica, principalmente envolvendo as mídias sociais, até chegar a este PHD em Antropologia na UCL.

Eu fui fazer historia porque queria ser Che Guevara e mudar o mundo e quase nao terminei o curso, porque nao tinha me ocorrido que o trabalho do historiador era muito solitário. O historiador trabalha em cima de documentos de época e para pesquisar tem que passar muito tempo em arquivo. Felizmente durante a graduação, um professor (do departamento de Historia da USP) voltou às aulas depois de passar um ano sabático nos Estados Unidos, onde ele tinha aprendido sobre história oral. Ao invés de mexer com papel antigo, passei a registrar relatos de vida. Identifiquei-me porque tinha a ver com conviver com pessoas, ouvir histórias e escrever. Mas a graduação terminou e eu não me via fazendo mestrado. Depois de trabalhar, principalmente como professor do ensino médio, a internet apareceu no horizonte como oportunidade profissional. E acabei conseguindo ser contratado por uma startup americana, primeiro como editor/jornalista, mas mais adiante como produtor de comunidades online. Era esse o nome que nos anos 1990 a gente dava para o que hoje chamamos ‘midias sociais’. Como essa profissão não existia, em 2007 publiquei um livro chamado Conectado (Zahar) para orientar teórica e tecnicamente as pessoas interessadas nesse campo de trabalho. Mas nessa época os trabalhos não estavam trazendo oportunidades de aprender e acabei conseguindo fazer um programa de mestrado chamado antropologia digital. Fiz isso sem bolsa de estudos.[1] No fim do mestrado, fui convidado para pesquisar como os brasileiros pobres entendem e usam as midias sociais e é onde estou agora, terminando esse doutoramento.

2 – Em seus escritos sobre seu trabalho de pesquisa, fica claro que você se surpreendeu com algumas evidências de campo em relação ao impacto das mídias sociais na vida de seus informantes. Isto faz algum sentido para você? Quais são exatamente estas surpresas?

A gente pensa em internet em relação a ideias como ‘modernidade’, ‘futuro’ e ‘tecnologia avançada’. Talvez soe até estranho apontar para isso porque parece que esses valores fazem parte do corpo da internet e de certo modo eles fazem. A internet existe por causa de uma série de equipamentos eletrônicos complexos e de programas. O problema é adotar uma visão ‘tecno-utópica’, que é muito comum e popular. Essa é a visao que sustenta o argumento de que ‘a internet democratiza o conhecimento’ ou que ela ‘promove o ativismo político’. A gente não consegue perceber que essa visão é importada do Vale do Silício e que tem a ver com um jeito de ver o mundo de muitas pessoas que moram lá. Elas acreditam em meritocracia e que por isso, segundo elas, a internet abre oportunidades para quem “corre atrás”. Isso é importante para mim porque depois de morar e fazer pesquisa durante 15 meses seguidos em um povoado trabalhador no interior da Bahia eu tive que aceitar que a internet nao é essa força determinista. Em cada local as pessoas levam para a internet um entendimento sobre como as relações sociais devem funcionar. Por exemplo, ao invés de usar a internet para se relacionar com quem estava longe, ela serve para eles fortalecerem o contato com seus parentes e vizinhos; são pessoas que eles já encontram diariamente, mas que vinham se distanciando por causa do desenvolvimento do lugar. Agora eles se movimentam mais, para estudar, para trabalhar, para resolver problemas, mas podem levar o bairro junto com eles no bolso, dentro do telefone, via WhatsApp e Facebook.

3 – Você poderia nos descrever a construção do percurso metodológico de sua pesquisa? Mais especificamente, contar como foram seus 15 meses de campo em relação à aproximação das pessoas, convivência, construção de confiança, observações, instrumentos de pesquisa etc.

Há um ramo da pesquisa acadêmica da internet que entende que a gente pode e, às vezes, deve estudar as relações humanas via internet. O antropólogo Tom Boellstorff da Un. California – Irvine estudou um projeto de realidade virtual chamado Second Life usando um corpo e um escritório virtuais. O argumento dele é que as pessoas se encontravam ali daquela maneira e que o antropólogo não deveria questionar essa situação, mas aceitá-la e estudar as relações sociais do jeito como elas estavam se dando. No projeto de pesquisa que eu particiei, a metodologia de pesquisa foi diferente: a ideia é que a internet é um elemento na vida das pessoas e que para estudar o uso da internet a gente precisaria conhecer todos os outros âmbitos e dimensões da vida daquelas pessoas: onde elas moram, como elas vivem e entendem as relações sociais, como elas trabalham, etc. Por isso eu e minha mulher nos mudamos para esse povoado onde moram principalmente hoje funcionários de baixa renda do setor do turismo e que trabalham em resorts como motoristas, jardineiros, cozinheiros, faxineiros, entre outros empregos. Em resumo, teria sido possível fazer a pesquisa à distancia, sem ter morado lá, porque nada do que eles publicam no Facebook, por exemplo, tem filtro de conteúdo. Tudo que vai para o ‘Face’ é publico para qualquer pessoa registrado no serviço ver. O problema é que eu nunca ficaria sabendo da existência do que eu chamo de ‘porta dos fundos’ nas redes sociais, que são canais de conversa que dependem de muita confiança e que é por onde passam conteúdos que nunca aparecem no Facebook.

4 – Resumidamente, o que realmente podemos (se podemos) generalizar em termos de Mídias Sociais pensando no trabalho conjunto de todos os pesquisadores do grupo e o que não podemos, pensando na região em que você pesquisou?

Podemos generalizar algo que o nosso coordenador de pesquisa, o antropólogo Daniel Miller, já vem falando a partir de estudos anteriores. A gente fala “da internet” sem saber direito o que é isso, como se existisse mesmo essa rede interconectando o mundo. A rede existe, mas em cada lugar do mundo as pessoas reinventam a internet – e pensam que no mundo inteiro ela funciona daquele mesmo jeito. É uma espécie de miopia cultural, e não estou me referindo a detalhes. As diferenças podem ser imensas. E as ilusões que a gente constrói e acredita também podem ser grandes. Por exemplo, essa associação recorrente entre internet e ativismo político. Jornalistas dão muita atenção para esse tipo de fenômeno, muito em função de eventos recentes como a Primavera Árabe ou as Jornadas de Junho que aconteceram no Brasil em 2013. Mas dai você vai para lugares comuns, conhece familias comuns e percebe que a internet e as midias sociais para ela não tem relação com política. O impacto da rede existe, mas é em esferas que a gente não conhece tanto. Por exemplo, em lugares como a Turquia e a Índia, jovens podem, pela primeira vez, ter contato direto com pessoas do sexo oposto porque essa comunicação acontece privadamente pela internet e pelo telefone celular. Outra generalização que decorre dessa é a de que faz mais sentido pensarmos em gêneros de postagens do que em plataformas. É complicado dizer que: “no Facebook as pessoas fazem isso ou aquilo”. Isso depende do contexto em que essa pessoa vive, com quem ela se relaciona e quais outros serviços ela usa. A gente se preocupa com as mudanças rápidas dos serviços: hoje tem Facebook e WhatsApp, ontem foi Orkut e MSN, mas devemos lembrar que são as pessoas que fazem esses serviços funcionarem e que elas não mudam com a mesma velocidade. Ao contrário, elas levam gêneros de postagem e de uso dos serviços de uma plataforma para outra.

5 – E o futuro? Mais pesquisas? Quais são os possíveis desdobramentos deste seu trabalho?

Por enquanto os próximos passos ainda estão um pouco longe. Eu preciso terminar e defender a tese até o fim de setembro deste ano. Depois disso eu gostaria muito de conseguir ter financiamento para desovar o grande material audio-visual que eu trouxe do campo. Tenho muitas horas de entrevista e também um arquivo grande de conteúdo em vídeo e imagem de arquivos compartilhados diretamente via WhatsApp. É um material impressionante, principalmente de origem amadora e feito por esses brasileiros pobres com os telefones deles. É como se a gente pudesse ter acesso diretamente a um espaco privado da vida das pessoas e que mostra aquilo que elas conversam entre si e acima de tudo aquilo que elas se interessam em ver. Outro caminho seria tentar participar de outra pesquisa para ganhar mais experiência.

6 – Sabendo que a vivência do campo nos transforma enquanto etnógrafos, você conseguiria nos dizer quais os impactos que o campo trouxe?

Em um âmbito muito pessoal, a vivência de campo me ensinou que vivemos em um país muito mais complexo, interessante e assustador do que o que a gente – da classe média, educada – habita. Existe um outro mundo e não é o mundo das favelas e da miséria humana. Há o mundo das periferias, das migrações, das igrejas evangélicas acontecendo no contexto da transformação socioeconômica que o país atravessa. É um mundo paralelo que a gente convive face a face todos os dias nas ruas, nos ônibus, nas viagens de metro, mas talvez tenha se des-sensibilizado a ponto de quase não notar que ele existe. Para o antropólogo, é o Brasil verdadeiro que está nascendo.



[1] Aqui tem o relato de como eu consegui para o curso e sobreviver http://www.brasilpost.com.br/juliano-spyer/como-fazer-mestrado-no-exterior_b_5065630.html

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