Publicidade para crianças: o amadurecimento não vem como a segunda dentição

Pedro de Santi

Uma vez mais está em pauta a importante questão de como lidar com a exposição das crianças à linguagem publicitária. Trata-se, no momento, de um projeto de lei que pretende proibir em termos absolutos a propaganda para elas. O simples extremismo da posição já sugere um “erro na mão”. Mas o assunto merece sempre ser objeto de reflexão.

Neste texto, quero evidenciar um dos inúmeros aspectos envolvidos. Para já deixar claro ao leitor, considero as duas posições extremas a respeito equivocadas: não penso que seja positivo para as crianças proibir toda publicidade voltada a elas; assim como não penso que a propaganda deva poder correr solta, à espera de uma auto-regulação pelo mercado, na qual não confio.

A ideia de evitar que crianças sejam expostas a mensagens publicitárias pressupõe, entre outras coisas, que elas não teriam ainda condições processar aquelas mensagens, sendo alvos fáceis e sugestionáveis. Além disso, a onipresença da publicidade nos meios de comunicação educaria a criança para ter no consumo um valor primário, anterior àqueles mais importantes para a formação pessoal e relações sociais.

Estas preocupações tão legítimas são unidas a um segundo pressuposto: se esperarmos que as pessoas amadureçam antes de expô-las à publicidade, elas terão os recursos para se defender e se posicionar ante a sociedade de consumo. Mas aqui há um furo: concebe-se que o amadurecimento seria um dado natural, fadado a ocorrer em determinado momento da vida, como o surgimento da puberdade ou da segunda dentição.

Certo discurso de divulgação, baseado nas neurociências, passou a divulgar a ideia de que o cérebro completa seu desenvolvimento aos 18 anos. Disto, é apressadamente derivada uma relação com o amadurecimento pessoal. É como se esta data estabelecesse um marco: antes dela, não temos plena capacidade de discernimento; depois, sim.

Parece evidente que as coisas não se passem de forma tão linear e sem mediação assim, mas sabemos o quanto definições simplificadoras são sedutoras; elas nos poupam da obrigação de discernir, a qualquer idade.

E isto soa como uma armadilha, como aquela que os pais usam ante demandas dos filhos que não lhes agradam: “só vou deixar você fazer isso quando você estiver pronto!”. Genial: é o modo mais simples de dizer que a autorização nunca será dada. Como seria possível passar a estar pronto a fazer o que quer que seja sem passar por um processo de aprendizagem?

Alguém pode acreditar que uma pessoa que tivesse crescido numa redoma de vidro até os 18 anos de idade estaria pronta para ser lançada no mundo?

Da perspectiva da psicologia, o amadurecimento é um processo complexo de relação entre nosso hardware (genética, biologia) e nosso software (o ambiente social e simbólico em que nos encontramos e constituímos). Um não opera sem o outro, naturalmente. E a relação é bastante dinâmica e não de simples causas e efeitos. O inglês Donald Winnicott (1896-1971) foi um importante estudioso especificamente do papel das relações na formação da pessoa. Ele foi um pediatra que abandonou a prática médica e se transformou num grande psicanalista ao perceber o quanto o sofrimento e adoecimento das crianças passavam pelas relações que teciam com as pessoas à sua volta.

Segundo Winnicott, em termos muito gerais, para que haja amadurecimento é necessário que haja um ambiente estável e que, ao mesmo tempo, guarde certa distância da pessoa. Isto cria uma espaço potencial onde ela tenha confiança para espontaneamente se lançar em direção ao mundo. A este tipo de ambiente, chamamos de “suficientemente bom” (tradução feia para “good enough”). É isto: o melhor ambiente possível é apenas bom o bastante. Ele não é ausente, produzindo abandono e privação; ou onipresente e invasivo, produzindo uma reação de fechamento defensivo da pessoa. O ambiente mais favorável proporciona o contato progressivo e uma exposição razoavelmente controlada ao mundo.

Voltando ao nosso tema inicial, a exposição a um ambiente excessivo em estimulação publicitária seria nocivo, é claro. Mas um ambiente que cercasse a criança e cerceasse sua possibilidade de conhecer e explorar o mundo resulta igualmente nocivo.

Um ambiente superprotetor, que pretendesse controlar tudo o que acontece com a criança criaria uma criança muito pressionada, inibida e, é claro, sem desenvolver os recursos de que precisa para dar conta de si. Seria como um ambiente hiper-higienizado que, com a melhor das boas intenções, impossibilitasse o desenvolvimento do sistema imunológico da criança.

É claro que deixar as crianças expostas ao bombardeio das mensagens publicitárias não é saudável; assim, é preciso haver a regulação da publicidade. Ela pode ser produzida internamente pelo próprio meio publicitário e ser monitorada pelo Governo e pelo público. Esta tem sido a tendência e ela precisa sempre ser aprimorada.

Mas uma opção higienista nos levaria à alienação e despreparo das crianças, aí sim, presas fáceis de interesses alheios aos delas.

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