Podcasts ganham força, mas agências resistem a formato

Quando esta reportagem começou a ser feita, na segunda-feira, havia 2.060 podcasts ativos no Brasil, segundo a Associação Brasileira de Podcasters (ABPod). Estima-se que, a cada dia, surjam 30 novos podcasts no País. O maior deles, segundo o site Chartable e dados do Spotify, é o Nerdcast, com 1 milhão de downloads por episódio semanal. Mesmo com números tão polpudos, poucas agências recomendam o investimento na mídia, apesar de grandes anunciantes como Bradesco, GE e Ford já terem percebido o potencial do formato. 

O Bradesco fechou contrato de um ano para patrocinar o Mamilos, que também está entre os líderes no País. Criadoras do podcast, as publicitárias Juliana Wallauer e Cris Bartis dizem que nunca foram procuradas por uma agência de publicidade. “Os clientes são mais antenados do que as agências”, diz Juliana, ex-gerente de planejamento da Fischer e da Bullet e hoje sócia da B9 Company, que produz vários podcasts. “São os executivos que nos procuram”, afirma ela, que teve episódios apoiados por TIM, HBO e GE. 
Foi o que fez a marca de sapatilhas para mulheres Anacapri, do grupo Arezzo. “Ouvíamos vários podcasts. Foi a partir de uma conversa sobre esse assunto que saiu a ideia dos anúncios”, diz Marcela Salles, gerente de marketing da Anacapri. A ideia inicial era lançar um podcast da marca. “Mostramos para ela que isso não era legal, pois ninguém ouve”, diz Juliana.
A B9 Company então elaborou o Beleza para Quem?, podcast sobre autoestima feminina patrocinado pela Anacapri. Embora uma executiva da marca sempre participe dos episódios, o tema passa longe do sapato. “Debatemos assuntos de interesse dos ouvintes”, afirma Marcela. “Mesmo sem falar do produto, a gente cria uma conexão, o que é bom para marca.”
Essa flexibilidade de formato é uma das vantagens do anúncio em podcasts, diz Daniel Iacobucci, diretor de planejamento da Dentsu. “Não é necessário ficar preso ao spot’”, afirma, referindo-se ao famoso “esse programa tem o patrocínio de…” no início dos áudios. “A marca pode participar do conteúdo, sem parecer aquela coisa forçada, de matéria paga.” 
O Nerdcast já uniu conteúdo e patrocinador ao mostrar como funciona a fabricação de doces. “A marca dona dessa fábrica patrocinou o episódio”, diz Maurício Faccio, responsável pela administração do podcast. É um recurso que o Mamilos também usa: um episódio sobre câncer de mama foi patrocinado pela GE, empresa que faz os mamógrafos para diagnóstico da doença.
Resistência
Apesar de elogiar o formato, a Dentsu, de Iacobucci, nunca anunciou em podcasts. Outras grandes agências, como F.Biz, Publicis e Wieden+Kennedy, também não. Iacobucci diz que faltam métricas de retorno para o investimento em podcasts. “É difícil mensurar quanto um anúncio em um podcast pode trazer de retorno, tanto em vendas quanto em admiração, a uma marca”, afirma.
Há quem discorde. “Existe muita facilidade para coleta de dados de audiência dos podcasts”, diz Mário Mesquita, economista-chefe do Itaú. “Dá para saber quantos ouvintes são homens, mulheres, a faixa etária e se as pessoas estão escutando até o fim”, diz. 
A partir do hábito de ouvir podcasts em seus treinamentos de corrida, Mesquita teve a ideia de fazer uma versão em áudio dos relatórios para investidores do banco, enviados aos clientes por e-mail. “A gente não sabia se os relatórios estavam sendo lidos ou não. Lançamos a versão em podcast na segunda-feira (27 de maio), e nos primeiros dias tivemos mais de mil ouvintes. Esperávamos que 35% ouvissem o programa até o fim. Mas chegamos a 60%.”
A retenção – capacidade de manter a atenção do ouvinte por vários minutos – é um dos grandes trunfos dos podcasts bem-sucedidos, segundo Juliana Wallauer, do Mamilos. “Nosso engajamento é de 80%. Ou seja: de cada dez pessoas que começam a ouvir, oito vão até o fim.”
O fato de que o ouvinte pode estar fazendo ginástica, correndo, lavando louça ou realizando qualquer outra atividade enquanto ouve o podcast ajuda na retenção da audiência. Segundo a ABPod, que fez um levantamento com 22 mil pessoas sobre o hábito de ouvir podcasts, a maior parte dos ouvintes (79%) têm o costume de escutar esses conteúdos no trajeto de casa para o trabalho. “Não é uma mídia que monopoliza a atenção do espectador”, diz Marcela Salles, da Anacapri.
Para se ter uma ideia de como o mundo dos podcasts esta borbulhando, no fechamento desta edição, no fim da semana passada, o número de podcasts no Brasil já havia subido para 2.152.
Pioneiros
Os produtores de podcasts de sucesso conseguem um feito ainda bastante raro do segmento: ganhar a vida com os conteúdos que produzem. No caso do ‘Nerdcast’, dos criadores Alexandre Ottoni e Deive Pazos, o processo rumo ao lucro demorou cerca uma década. Para Juliana Wallauer e Cris Bartis, do ‘Mamilos’, o podcast se tornou um meio de vida há um ano, quando as publicitárias deixaram seus empregos. Além dos anunciantes, o ‘Mamilos’ tem ajuda de 2,5 mil apoiadores, que contribuem com R$ 25 mil ao mês para o projeto por meio de ‘crowdfunding’.

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