Nova Guerra Fria

Estávamos de tal forma convencidos de que a eleição de Vladimir Putin para um novo mandato de seis anos seria “replicada” de antemão, que quase esquecemos dela. O próprio Putin estava um pouco como nós, já que, diante de seus oponentes, ele nem sequer tinha a cortesia de convocar comícios. Para nos manter alentados, ele poderia ter pelo menos fingido que “fazia campanha”. Mas não. Nada!
Mesmo os russos não estavam interessados nessas eleições fantasmas. Eles não guardam rancor de Putin, segundo seus estranhos institutos de pesquisa. Claro, Putin continuou a liderar as sondagens, mas em alguns dias ele teria perdido 12%. Aí explode o caso de um ex-espião russo, Serguei Skripal, que foi encontrado com sua filha, Yulia (de 33 anos), em Londres, agonizando sob o efeito de um agente neurotóxico como o usado por militares.
Foi lembrado em seguida que houve em Londres, desde 2006, 14 mortes suspeitas de russos, incluindo Boris Berezovski, que foi encontrado enforcado em seu banheiro em 2013. Um velho amigo de Putin, Berezovski se tornou seu inimigo e fugiu para Londres em 2001. Pode ser que alguns nem lembrem, talvez, que, no início do século 19, Madame de Staël, uma pessoa genial próxima de Chateaubriand, havia escrito o seguinte: “Na Rússia, o governo é um despotismo atenuado pelo estrangulamento”.
Este ano, portanto, um novo atentado, contra Serguei Skripal. Os grandes países europeus e os Estados Unidos disseram estar indignados e fizeram uma frente comum depois de alguma hesitação contra Putin. Mesmo Trump, que sempre mostrou indulgência em relação a Putin, ficou colérico. O líder russo ficou em silêncio porque o Kremlin adora se mostrar como um país pobre e inocente assediado pela conspiração de seus inimigos ocidentais. Na verdade, em alguns momentos, o declínio de 12% na popularidade de Putin foi eliminado.
Deve-se dizer que Putin, se falou pouco do caso Skripal, estava tentando apagar o incêndio. Ele fez um discurso em 1.º de março em um novo tom e um novo slogan começou a se espalhar no país. “Por uma Rússia Forte”.
Na Rússia, dizia-se no tempo do czar Nicolau II que “nada é mais nefasto que a aparência de fraqueza”. Então, Putin anunciou que o tempo para o intercâmbio pacífico com o Ocidente havia terminado. Voltamos a uma diplomacia enérgica. Ao mesmo tempo, tranquilizamos os cidadãos russos.
Temos de repelir as vilanias, independentemente de onde venham, e Putin declinou a ladainha de armas novas, superpoderosas e assustadoras com as quais os cientistas e os militares equiparam o país. A Rússia agora tem mísseis capazes de “se acoplar na Torre Eiffel’, e se eles quiserem ir muito mais longe, eles não produzirão mísseis de brinquedo…
Este discurso, muito melhor do que quaisquer outros sinais lançados em outros lugares, diz exatamente qual é a nova estratégia adotada pela Rússia. Putin informa ao mundo e à Rússia ao mesmo tempo. Moscou escolheu a força. É o chefe dos exércitos que se apresenta aos cidadãos russos depois de amanhã. Estamos longe dos anos 90, quando a Rússia, arruinada pelos soviéticos e humilhada por esse imbecil de Boris Yeltsin (colocado ali, dizem alguns em Moscou, pela CIA) legou a Putin um país exangue, decrépito, espoliado por oligarcas ávidos e sem moral.
Mas estamos tão distantes da década de 2010, quando Moscou tinha o desejo único de desenvolver a economia russa, o seu campo, suas fábricas, para alimentar bem os cidadãos russos, para que eles pudessem comprar lindas casas com flores. Hoje, o poder se impõe como o baluarte contra a ameaça externa. Os russos são avisados: diante de todos esses vilões que estão ao redor da Rússia (Otan, CIA e agora até a União Europeia), todo cidadão é obrigado a vir em apoio ao seu líder. É por esta razão que Putin não precisa sair de seu silêncio.
Traição. Qualquer cédula eleitoral com um nome diferente do seu, seria, afinal, o relatório de um traidor. E isso funcionou: as pesquisas deram um novo salto à frente … Os russos reencontraram sua proverbial coragem: diante de todas essas mãos em forma de garras que giram em torno da Rússia, e se a guerra estourasse, todos estariam prontos para suportar as privações mais severas.
Sem dúvida, Putin é o homem que tirou o país do abismo da vergonha e da miséria que sucederam à União Soviética. Ele gostaria de continuar seu trabalho de paz e ressurreição da Grande Rússia, tranquila e próspera, mas o comportamento dos países vizinhos o proíbe e Putin é um homem de dever. O tempo é severo. Os tempos da Guerra Fria estão de volta.

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