Na Espanha, crise nem chega a ser crise

Fale o que quiser de Mariano Rajoy, mas graças a ele a crise política hoje na Espanha na verdade não é uma crise para ninguém, especialmente para a União Europeia, salvo para os políticos espanhóis. Rajoy, vencido em uma moção de censura no Parlamento, tem sido acusado de uma passividade e obstinação nada construtivas diante dos problemas enfrentados pelo país, pelo seu Partido Popular e por ele mesmo.
Problemas enormes abrangendo o movimento de secessão da Catalunha, que ele fez recuar sem assumir um compromisso, e os recentes julgamentos em um processo que revelou um enorme esquema de corrupção e lavagem de dinheiro dentro de seu partido. 
Os catalães estão determinados a conquistar sua independência e a região tem agora talvez seu governo mais radical. O tradicional sistema de dois partidos, em que o Partido Popular há 30 anos se defronta com o Partido Socialista Operário Espanhol (PSOE), está desgastado. Duas jovens agremiações se formaram para desafiar o establishment político corrupto: o Ciudadanos, de centro-direita, e o Podemos, de esquerda radical.
las lideram as pesquisas de opinião em todo o país. Sánchez poderia ter problemas em governar a Espanha como primeiro-ministro porque sua coalizão com o Podemos e partidos nacionalistas menores é claramente uma união anti-Rajoy temporária.
Curiosamente, nada disso realmente é importante para a capacidade da Espanha de seguir em sua recuperação da crise que a atingiu duramente no início da década. A era Rajoy termina com a economia a caminho de um crescimento de 2,7% este ano, depois de dois anos de crescimento de mais de 3%.
O desemprego ainda está na faixa dos 17%, mas é uma situação bem melhor se comparada com o pico de mais de 26% em 2013. O déficit fiscal espanhol hoje é de 2,5% do PIB depois de ter atingido 10,5% em 2012. Como chefe de um governo minoritário frágil, Rajoy conseguiu negociar um orçamento que Sánchez pretende manter.
A ascensão dos dois partidos, Ciudadanos e Podemos, no meio da crise (o primeiro se tornou uma força nacional em 2013, e o segundo foi fundado em 2014) prometia mudanças traumáticas como se observa hoje na Itália. 
O Podemos, especialmente, surgiu de uma cultura de protesto anticapitalista intransigente, com um programa econômico que originalmente incluía uma renda básica universal sem nenhuma preocupação com seus custos e uma “auditoria pelos cidadãos” da dívida nacional que levaria potencialmente a um calote. Mas à medida que o partido amadureceu, essas demandas foram abolidas e seu programa, ainda muito de esquerda, já é compatível com conceitos já estabelecidos. 
O Ciudadanos, apesar da insistência de seus líderes de que se trata de um partido que não é nem de esquerda nem de direita, é uma força política convencional cuja tendência de centro-direita arrebatou eleitores do Partido Popular, mais do que dos socialistas.
Esses dois partidos estão dispostos a participar de coalizões. Numa série de eleições inconclusivas realizadas na era Rajoy e com as manobras políticas que se seguiram, eles adquiriram a experiência das negociações no plano nacional e a noção de como o país é governado. Não importa que combinações políticas podem surgir de uma eleição antecipada, se vier a ocorrer, há poucos riscos de a Espanha adotar políticas econômicas desastrosas. 
Ao contrário de outros lugares na Europa, as forças xenófobas não ganharam impulso no país e os vários nacionalismos existentes estão mais no plano interno. As crises na Espanha parecem e na verdade são administráveis. Ninguém agradecerá a Rajoy por isso e suas motivações durante todo este tempo em que governou podem ter sido egoístas, mas foram também patrióticas. De qualquer modo, ele merece o crédito. 
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