Espanha está presa num ciclo de instabilidade

O experimento da Espanha com governo socialista de minoria apoiado pela extrema-esquerda provou-se de curta duração – e curto em conquistas significativas, à exceção de um grande aumento do salário mínimo e da polêmica sobre exumação dos restos mortais do ditador Francisco Franco.
Ontem o premiê Pedro Sánchez não conseguiu aprovar o orçamento para 2019, e agora não tem outra opção se não convocar uma eleição geral antecipada, possivelmente para o meio ou o fim de abril. O líder socialista assumiu o poder em junho de 2018, depois de destituir o governo conservador de Mariano Rajoy com voto de desconfiança relativo a um escândalo de corrupção. A coalizão formada por Sánchez para essa façanha, reuniu o Podemos, de extrema-esquerda, e nacionalistas bascos e catalães, mas desmoronou.
Esta última crise confirma que a Espanha está presa em um ciclo de instabilidade política. Uma votação nos próximos meses seria a quarta eleição geral em oito anos.
O resultado também deve confirmar que a Espanha se tornou um sistema de cinco partidos políticos, sem contar os nacionalistas catalães e bascos e outros representantes regionais. O Vox, partido de extrema-direita que em novembro conquistou vagas no Parlamento regional da Andaluzia, saltou nas pesquisas desde então, chegando a surpreendentes 11%.
Já os três partidos tradicionais estão embolados, com resultados próximos. De acordo com uma pesquisa de pesquisas, os socialistas (PSOE) têm 24%, a centro direita (PP) tem 21%, e os liberais (Ciudadanos), 19%. A Espanha se tornou um dos exemplos mais extremos da fragmentação política que está tomando conta da Europa.
O Podemos pode ter abalado o sistema político espanhol quando irrompeu dos movimentos anticapitalistas, mas seus melhores dias parecem ter ficado para trás. Sua imagem ficou manchada por disputas internas entre seus líderes e seu apoio caiu para 14%. Se afundar mais, pode levar junto as esperanças de Sánchez de formar outra coalizão de esquerda.
Como já se viu em países da Europa como a Suécia e a Alemanha, a presença de partidos de extrema-esquerda ou extrema- direita no Parlamento dificulta ainda mais a formação de governos de coalizão de centro-esquerda ou centro-direita. O PP e o Ciudadanos formaram governo na Andaluzia com apoio tácito da extrema-direita. Mas fazê-lo em nível nacional seria mais delicado.
Quando Sánchez assumiu o poder, um de seus objetivos era reduzir as tensões com a Catalunha, na sequência de sua ofensiva ilegal pela independência, em 2017. Seu governo retomou o diálogo com líderes regionais e tentou amenizar algumas restrições impostas ao governo da região na esteira da tentativa fracassada de separação.
A agitação política das últimas semanas mostrou que qualquer esperança de uma trégua no curto prazo é apenas um sonho. As tensões entre, de um lado, os defensores da independência da Catalunha e, de outro, os catalães favoráveis a continuar na união e os espanhóis cada vez mais ressentidos devem continuar acirradas.
Com uma dúzia de líderes independentistas sendo julgados nesta semana, acusados de desobediência e rebelião, as posições se tornaram inflexíveis. Uma tentativa desastrada do governo de buscar a conciliação, propondo um mediador para ajudar os nacionalistas catalães a resolver suas diferenças, acabou piorando a situação. Liberais, centro-direita e extrema-direita se uniram em protesto.
Sánchez, porém, não tinha como aceitar as exigências catalãs de autodeterminação em troca de apoiar seu orçamento. Os catalães podem terminar enfrentando um governo de direita muito mais hostil. Parece que a questão catalã envenenará a política espanhola por muitos anos.

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