As cinco lições da nova estratégia da Apple

Algumas vezes, um lançamento tecnológico tem uma importância que ressoa muito além de suas particularidades. Esse é o caso do serviço de “streaming” de vídeo anunciado na semana passada pela Apple para competir com a Netflix. Aqui estão cinco maneiras pelas quais o anúncio lançou uma luz sobre a Apple num momento decisivo de sua história.
Em primeiro lugar, com sua mudança para o setor de serviços, o balanço patrimonial e a base instalada de usuários assumiram o lugar de principal fonte de vantagem competitiva para a companhia. A Apple não vai resolver nenhum problema novo com seu futuro serviço de “streaming” de vídeo. Mas ela tem os recursos para comprar conteúdo de primeira qualidade e uma base enorme de usuários para os quais vendê-lo.
As grandes empresas de tecnologia gostam de se considerar mais inovadoras que as demais. O fim desse excepcionalismo é algo com que todas estão começando a lidar. Mesmo sem inventar a próxima grande novidade, no entanto, há uma “última grande novidade” que pode ser explorada por anos a fio. A Apple mal arranhou a superfície da venda de conteúdo e serviços para o contingente de 1,4 bilhão de iPhones, Macs e outros aparelhos em uso hoje.
Em segundo lugar, existe a chance de conquistar uma posição de confiança em um momento no qual outros gigantes da internet estão sob fogo cruzado. Pense nisso como uma Disney dos serviços digitais: uma marca confiável construída em torno de um conjunto de valores que se destaca acima das demais.
A Apple já começa com muitos dos atributos de marca necessários para preencher esse papel na vida de seus usuários. Uma reputação em termos de qualidade, estilo e facilidade de uso é uma herança de seu histórico nas áreas de equipamento e software.
A Apple deu ênfase à privacidade e à segurança em todos os serviços que anunciou na semana passada. Com essa primeira investida na área de conteúdo de vídeo de alta qualidade, ela também procurou tirar partido das qualidades aspiracionais e humanistas que Steve Jobs explorou com tanto sucesso ao vender a tecnologia da Apple. Como a Disney tem mostrado, mesmo em mercados altamente competitivos esse tipo de diferenciação de marca pode ser sustentado ao longo de décadas.
Em terceiro lugar, ainda há espaço para inovação nas margens, o que pode ter um efeito adicional para a marca. O novo cartão de crédito com o Goldman Sachs é um exemplo. É um exagero proclamar, como fez o CEO da Apple, Tim Cook, que é o acontecimento mais importante entre os cartões de crédito em meio século. Mas integrar o novo Apple Card no Apple Pay e no aparelho do iPhone cria muitas oportunidades.
Essas oportunidades vão de enviar descontos em dinheiro aos usuários todos os dias até facilitar a escolha de financiamentos e oferecer os melhores sistemas de análise para que as pessoas administrem suas finanças. E o cartão de crédito titânio, sem nenhum número escrito, deve se tornar um símbolo de status instantâneo.
Em quarto lugar, a principal forma da Apple fazer dinheiro – a venda de equipamento – a coloca em um dilema com a mudança para o setor de serviços. Acrescentar novos e atraentes conteúdos de vídeo, games e notícias deveria manter as pessoas por mais tempo nas suas telas, reforçando o ecossistema digital da empresa e ajudando-a a vender mais aparelhos.
Mas será difícil conseguir um retorno do enorme gasto com entretenimento a não ser que ela distribua esse investimento para o maior público possível – o que significa avançar para além de seu equipamento.
Essa tensão entre os modelos de negócios vertical e horizontal – capturar mais valor de seus equipamentos, por um lado, vender um serviço para todo mundo, por outro – não é nova para a Apple. Disponibilizar o iTunes para PCs com Windows foi essencial para construir uma posição na música digital. Mas é algo que terá de ser administrado por vários anos.
Com sua última ofensiva na área de vídeos, as ambições multiplataforma da Apple estão limitadas às TVs smart e caixas de “streaming” produzidas por outras empresas – incluindo as rivais Samsung e Amazon. Como as vendas da TV box da Apple não têm sido muito boas, não há problemas aí.
Mas o que acontece quando o público do serviço de “streaming” Apple TV+ olha além das TVs? Administrar conteúdo digital em todas as telas de seus usuários é uma das grandes oportunidades pela frente. Isso vai significar uma decisão de entrar ou não no universo Android – algo que poderia enfraquecer o ecossistema que reforça o equipamento da Apple.
Em quinto lugar, depois de mais de uma década de App Store, a relação da Apple com muitas das empresas que dependem dessa loja virtual para alcançar seus clientes está a ponto de mudar totalmente.
Ela já concorre com outros serviços de “streaming” de música. Agora, está a ponto de fazer o mesmo com novos serviços de assinatura de vídeos, games e notícias. É muito provável que os usuários de iPhone que pagam pelos pacotes de notícias e entretenimento da Apple gastem muito menos tempo com outros serviços.
Como a Apple vai promover seus próprios serviços para seus usuários, e o que isso vai significar para o iOS como uma plataforma para aplicativos de terceiros? A queixa antitruste registrada pelo Spotify este mês na União Europeia deve ser o prenúncio de muitos desafios pela frente.

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