Xi amarrou as próprias mãos na guerra comercial

Enquanto o mundo acompanhava o esperado jantar dos presidentes chinês, Xi Jinping, e americano, Donald Trump, em Buenos Aires, no dia 1o de dezembro, a notícia surgiu de uma fonte inesperada. “Os dois líderes acertaram que não haverá imposição de tarifas adicionais”, informou a China Global Television Network, canal de notícias 24 horas, em inglês, da Televisão Central da China (CCT).
Posteriormente, Wang Yi, conselheiro de Estado e ministro das Relações Exteriores da China, apareceu diante de jornalistas e declarou que os dois líderes chegaram a um “importante consenso”. Mas Wang deixou de fora o detalhe talvez mais importante: o prazo de 90 dias para os países negociarem reformas na economia chinesa, após o que as tarifas subirão de 10% para 25% se não houver progresso.
Todos a mídia da China, controlada pelo Partido Comunista, seguiu Wang e não mencionaram o prazo de 90 dias. O motivo foi claro. A escolha do prazo por Trump atingiu um nervo político exposto.
Logo após esses 90 dias, a China realizará o evento político mais importante de 2019: a sessão anual do Congresso Nacional do Povo, o Parlamento chinês, que reúne personalidades da política em Pequim por duas semanas.
Trump deu até lá para Xi fazer concessões significativas nas negociações. Mas a população chinesa só foi informada desse ultimato na quarta-feira, quando o Ministério do Comércio finalmente mencionou o prazo num comunicado.
Para a China, qualquer negociação que envolva o líder do país, Xi, não pode dar errado, quanto mais fracassar. Assim, deu- se como certo que o encontro Xi-Trump chegaria a um “importante consenso”, independentemente dos fatos.
A agência de notícias Xinhua acrescentou uma interpretação estranha ao informar o acordo. “Conforme solicitado pelo 19o Congresso Nacional do Partido Comunista da China (PC), Pequim está empenhada em aprofundar as reformas e promover a abertura”, disse a reportagem. “No processo, algumas questões econômicas e comerciais que são de preocupação de Washington serão resolvidas”. Essas sentenças resumem a proposta final de Xi, que foi formada em discussões intrapartidárias.
Colocando de maneira simples, o texto diz que Xi, que também é o presidente do Partido Comunista, só pode fazer concessões pelo modelo de políticas adotado no congresso quinquenal do partido, em outubro de 2017. E quais são elas?
“O Partido Comunista da China vai liderar o país na realização da modernização socialista até 2035”, disse Xi no congresso de 2017. Embora tenha usado palavras moderadas, ele referiu-se a um plano grandioso que prevê que a economia chinesa vai superar a americana até 2035, cerca de 15 anos antes que o anteriormente planejado.
Para isso, o plano requer empresas estatais “fortes e maiores”. E a China chegará mais perto de alcançar a meta se adquirir empresas estrangeiras com tecnologia avançada dentro do “Made in China 2025”, um plano cuidadosamente elaborado para acelerar os setores estratégias da China.
Alarmados com essa possibilidade, os EUA vêm pedindo que o plano “Made in China 2025” seja cancelado e se mostram preocupados com o grau de subsídios dados às empresas estatais chinesas.
Para os americanos, pode ter parecido estranho que a Xinhua tenha mencionado as solicitações do congresso do PC, ao noticiar negociações entre os governos em Buenos Aires. Mas a realidade, na China, é que o partido controla tudo.
Embora Xi esteja disposto a concessões, ele não tem escolha a não ser rejeitar qualquer exigência dos EUA que venha a abalar as fundações da política de “grande potência” da China. Assim, a ironia é que as mãos de Xi nessa diplomacia com Washington estão amarradas por suas próprias políticas.
O novo período de negociações de 90 dias evoca outro prazo. Em abril de 2017, Trump e Xi se reuniram no resort do presidente americano na Flórida. Um “plano de cem dias” foi acertado, enquanto os dois faziam as pazes.
Aquele plano previa que os dois países negociariam por cem dias para reduzir o enorme déficit comercial dos EUA com a China. Assim como fez dessa vez, a China inicialmente escondeu a existência do plano. O prazo sem nenhum resultado. E Trump passou a impor tarifas contra produtos chineses.
Desta vez, Xi tem apenas uma carta na manga para esfriar as tensões econômicas e comerciais. Será preciso modificar a política da “grande potência”, que busca superar os EUA, na quarta sessão plenária do 19o Comitê Central do Partido Comunista Chinês.
A realização da quarta plenária – que estabelecerá a direção da gestão econômica para o próximo ano – foi bastante adiada, em parte pelas dificuldades surgidas do conflito comercial com os EUA.
Mas as atuais circunstâncias quase asseguram que a reunião ocorrerá nos próximos 90 dias.
Para abandonar sua política da “grande potência”, Xi teria de revisitar a política externa moderada de Deng Xiaoping. Chamada de “tao guang yang hui (recolha suas garras e mantenha um perfil baixo)”, ela defendia que a China jamais deveria reivindicar liderança.
Desde que assumiu o poder, no quarto trimestre de 2012, Xi descartou a política de Deng e passou a desafiar diretamente os EUA. Assim que Xi abraçar o “tao guang yang hui”, será mais fácil fazer concessões significativas a Trump.
Mas essa jogada é politicamente arriscada, pois essencialmente levaria à negação da “nova era de Xi Jinping” e levantaria dúvidas sobre toda uma série de decisões políticas tomadas pelo líder chinês, incluindo o fim da limitação ao número de mandatos do presidente.
Steven Mnuchin, secretário do Tesouro dos EUA, disse em 3 de dezembro que a China assumiu compromisso adicional de comprar US$ 1,2 trilhão em bens dos EUA que incluem produtos agrícolas e recursos energéticos, como gás natural liquefeito (GNL), como parte dos esforços para corrigir o desequilíbrio comercial bilateral.
Mas essa proposta chinesa também lembra os acordos de quando Xi e Trump se reuniram em Pequim, há pouco mais de um ano. A China alardeou os acordos, avaliados em US$ 250 bilhões, como “históricos”. Apesar disso, não houve progresso na correção do desequilíbrio comercial, resultando na erupção de uma guerra comercial amarga entre as duas maiores economias do mundo.
A próxima rodada de negociações será liderada pelo representante comercial dos EUA, Robert Lighthizer, um radical anti- China.
A contagem regressiva até o fim de fevereiro para a mais nova rodada de negociações entre a China e os EUA já começou.

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