Uma cidade construída a partir da internet

Área abandonada de Toronto poderá ganhar calçadas que derretem neve, entregadores ‘robôs’ e ônibus autônomos. Quayside, uma área de terra propensa a inundações que se estende por 4,8 hectares na região leste de Toronto, abriga um vasto estacionamento repleto de buracos, prédios baixos e enormes silos de soja – vestígios do passado em que abrigava um porto industrial. Muitos consideram a região uma monstruosidade, mas para a Sidewalk Labs, subsidiária de inovação urbana da holding do Google, a Alphabet, é o local ideal para o “primeiro bairro do mundo construído a partir da internet”, como mostrou matéria da The Economist, publicada pelo Estadão de 05/05.
A Sidewalk Labs está trabalhando em parceria com a Waterfront Toronto, agência governamental responsável pelo desenvolvimento da área, em um projeto de US$ 50 milhões para transformar Quayside. A meta é tornar a região uma plataforma para testar como as novas tecnologias podem contribuir para combater problemas urbanos, como poluição, congestionamentos e falta de moradias acessíveis. Suas inovações poderão ser testadas em uma orla de 800 metros de extensão – área tão grande quanto a cidade italiana de Veneza.
Neste verão, a Sidewalk Labs fará pilotos em Toronto para testar algumas das tecnologias que espera empregar no Quayside – essa é uma estratégia que visa, em parte, tranquilizar os residentes. Se o seu plano for aprovado ainda este ano – pela Waterfront Toronto e também por várias autoridades da cidade –, a empresa poderá começar a trabalhar no Quayside em 2020.
Essa proposta contém ideias que vão do familiar ao revolucionário. Haverá robôs entregando pacotes e retirando lixo por meio de túneis subterrâneos; uma rede de energia térmica que não depende de combustíveis fósseis; edifícios modulares que podem mudar do uso residencial para o comercial; semáforos adaptativos; e calçadas que derretem a neve. Carros particulares seriam proibidos; uma frota de ônibus e táxis autônomos circularia livremente. A sede canadense do Google se mudaria para lá.
Sob a superfície de Quayside haveria uma “camada digital” com sensores que vão capturar e monitorar absolutamente tudo, desde como os bancos de parque são usados, passando pelos níveis de barulho e o uso da água nos banheiros públicos. A Sidewalk Labs diz que coletar, agregar e analisar informações deverá fazer de Quayside um local eficiente e sustentável. Os dados também serão alimentados por uma plataforma pública, por meio da qual os residentes poderiam, por exemplo, permitir que uma equipe de manutenção entre em suas casas enquanto eles estão trabalhando.
Projetos de “cidades inteligentes” como Masdar, nos Emirados Árabes Unidos, ou Songdo na Coréia do Sul, provocaram muito entusiasmo, mas não são considerados êxitos. Alguns sofreram atrasos devido a mudanças políticas e financeiras, ou porque a supervisão da construção não envolveu os moradores, diz Deland Chan, especialista da Universidade de Stanford. Dan Doctoroff, diretor da Sidewalk Labs, que foi vice-prefeito de Nova York na gestão de Michael Bloomberg, frisa que outros projetos fracassaram porque não conseguiram derrubar a “divisão entre tecnologia e urbanismo”.
Essa divisão precisará ser eliminada antes de a Sidewalk Labs começar de fazer as primeiras escavações em Quayside. Críticos do projeto dizem que, ao tentar tornar a cidade uma referência global em tecnologia, os políticos de Toronto podem dar muita liberdade aos idealizadores. A proposta feita pela empresa observa que o projeto precisa de “uma tolerância muito grande por parte de leis e regulamentos existentes (na cidade)”.
Modelo. Ainda não se sabe qual será o modelo de negócios do Sidewalk Labs para Quayside. Rohit Aggarwala, chefe da área de sistemas urbanos, disse, em uma reunião pública, que o modelo ainda está “pouco claro”. Doctoroff frisa que a empresa poderá ganhar dinheiro com licenciamento de produtos e serviços desenvolvidos em Toronto a outras cidades. Não está claro, porém, se os cidadãos de Toronto, que contribuiriam com dados para ajudar a azeitar os serviços, vão ter participação nas receitas.
Preocupações em relação à privacidade vão, sem dúvida, surgir – sobre quais dados os sensores em Quayside vão captar, a quem essas informações vão pertencer e onde serão armazenadas. Por enquanto, o Sidewalk Labs disse apenas que não vai usar informações pessoais para fins publicitários e que os dados estarão sujeitos a “padrões abertos”, o que permitirá que outras empresas e agências públicas os utilizem. A Sidewalk Labs e a Waterfront Toronto contrataram dois ex-comissários federais de privacidade como consultores.
No entanto, especialistas em privacidade consideram essas salvaguardas insuficientes, uma vez que as leis canadenses sobre privacidade e segurança de dados estão atrasadas em relação às mais recentes inovações de empresas de tecnologia. “É possível escolher baixar ou não um aplicativo no telefone”, diz Kelsey Finch, da organização Fórum sobre o Futuro da Privacidade. “Mas não dá simplesmente para deixar de lado a comunidade em que se vive.”

http://economia.estadao.com.br/noticias/geral,uma-cidade-construida-a-partir-da-internet,70002295614

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