Um algoritmo decide a contratação

Quando se fala sobre o impacto da tecnologia no setor de recrutamento, a primeira imagem que vem à cabeça são redes sociais como o LinkedIn, que facilitaram o acesso a currículos dos mais variados.

Um novo perfil de empresa, no entanto, com foco muito maior no desenvolvimento de tecnologia do que no processo de recrutamento em si, surge hoje como tendência. Com algoritmos e plataformas, muitas vezes criadas por profissionais estreantes no mercado de seleção, elas querem levar serviços de recrutamento a novos públicos ou tomar o espaço de algumas das principais companhias do setor, como mostrou matéria de Letícia Arcoverde publicada no Valor de 20/03.

Fundado em 2014, o site Contratado.me traz ao Brasil uma ideia oferecida por empresas como Hired, nos EUA, e 100offer, na China. Por meio de publicidade segmentada e indicações, o site atrai profissionais com os perfis desejados para as vagas em demanda, mas sem publicar os anúncios abertamente. Para serem incluídos no banco de dados, os candidatos preenchem suas informações e fazem testes de habilidade técnica, e um algoritmo combina ambos para identificar os 5% melhores para cada vaga.

As empresas ficam responsáveis por avaliar a compatibilidade dos profissionais com a cultura organizacional. Cada entrevista ou contratação, no entanto, alimenta o algoritmo para identificar os perfis “preferidos” de cada empresa, e tentar tornar a escolha mais fácil. A média de duração de um processo de seleção é de 28 dias.

A plataforma concentra profissionais da área de tecnologia, em alta demanda e mais facilmente avaliados por testes técnicos, bem como de marketing digital, ciência de dados e “business intelligence”. No ano passado, o site começou a recrutar também profissionais da área de negócios para consultorias estratégicas, mercado financeiro e para a área de desenvolvimento de negócios. No geral, as vagas do site têm salários entre R$ 5 mil e R$ 20 mil, com nível sênior até a gerência ou especialistas.

“Fizemos pesquisas com recrutadores de empresas para saber como elas fazem o processo seletivo e montamos uma inteligência artificial que imita o processo”, explica o engenheiro Lucas Mendes, um dos fundadores. O que não significa que essa fórmula funcione para tudo. Mendes conta que a empresa tentou incluir a seleção de profissionais das áreas de vendas e comercial, mas os resultados foram ruins – são perfis que dependem muito mais de aspectos comportamentais do que habilidade técnica.

A startup, que em 2016 contabilizou R$ 21 milhões em volume de vendas, já atraiu 60 mil inscritos e 700 companhias. Hoje a empresa emprega 15 pessoas, nenhuma das quais trabalha como recrutador. “Somos uma empresa de tecnologia focada em recrutamento”, diz Mendes, que espera ganhar espaço em um mercado hoje ocupado por companhias de recrutamento para média gerência como Robert Half e Michael Page.

Já a plataforma d’hire, lançada há cinco meses, foi idealizada por dois consultores que já atuavam em uma empresa de recrutamento, a People Oriented, mas que hoje lançaram um modelo descrito como “Uber” do mercado de seleção. A plataforma busca reunir headhunters autônomos – que passam por um processo de checagem de referência, testes e entrevista – com empresas que precisam preencher uma vaga. O algoritmo do site identifica os headhunters com perfil mais adequado para cada vaga, levando em conta seu expertise e localização. O site aloca então cinco profissionais para fazer aquela vaga.

Cada um tem até 12 dias para indicar três candidatos e as empresas avaliam os profissionais até chegar à contratação final. A taxa paga pela empresa – entre 1 e 1,5 salário da vaga – é dividida entre o site, o headhunter que selecionou o candidato final, que fica com 40%, e os outros headhunters que ofereceram candidatos rejeitados, com cerca de 5% do valor. Em 90 dias, se a empresa não ficar satisfeita com o candidato escolhido, pode refazer o processo gratuitamente.

Na visão de Guto Polycarpo, cofundador d’hire, o fato de a plataforma selecionar heandhunters com experiência no setor ou nível da vaga desejada faz com que a qualidade das escolhas seja mantida apesar da velocidade do processo. “São especialistas que já têm alguém que faz sentido no networking, e não perdem tanto tempo procurando”, diz.

Segundo ele, o modelo reduz 50% do custo da contratação na comparação com companhias de recrutamento especializado. Entre os headhunters, estão muitos profissionais que foram demitidos de consultorias nos últimos anos por conta da crise. Cerca de dois mil profissionais começaram o processo para se inscrever, mas apenas 100 atualmente fazem uso da plataforma. “Entendemos que em qualquer processo seletivo existe muita subjetividade, então ao invés de fazer o algoritmo para achar o candidato, focamos no valor do headhunter. Até porque tem candidato que está off-line”, diz Polycarpo.

Pesquisadores e profissionais da área ainda estudam a eficiência do recrutamento por algoritmo. Um estudo de 2015 do National Bureau of Economic Research dos EUA analisou contratações para vagas de início de carreira e viu que os profissionais selecionadas por algoritmos ficaram mais tempo no emprego do que aqueles recrutados por humanos. Especialistas alertam, no entanto, que o uso de algoritmo em qualquer tomada de decisão pode passar a falsa impressão de neutralidade ao mesmo tempo em que reforça preconceitos quando usam bases de dados imperfeitas.

Algoritmos são, afinal, desenvolvidos por seres humanos falhos. “Técnicas de mineração de dados podem fazer com que decisões de emprego sejam baseadas em correlações, ao invés de relações causais, e podem obscurecer a base com que decisões de recrutamento são feitas”, escreve Pauline Kim, da Universidade de Washington em St. Louis, em um artigo recente no qual destaca a necessidade de repensar como leis antidiscriminação se aplicam em um ambiente de trabalho dominado por decisões automatizadas.

Lucas Mendes conta que a Contratado.me faz um trabalho extra para identificar profissionais mulheres com um perfil profissional de potencial maior do que as vagas ou salários para as quais elas se candidatam, e então indicá-las para vagas melhores. Na masculina área de tecnologia, elas hoje são 8% dos candidatos disponíveis no site, mas 15% das contratações.

O site Recruta Simples, lançado na metade do ano passado, busca atuar junto a pequenas empresas, grupo que ainda contrata primordialmente sem ajuda externa. Criado por dois empreendedores com carreira no mercado financeiro e um programador engenheiro do ITA, a empresa tem a missão de simplificar o acesso a sites de vagas. “Na PME você dificilmente tem alguém só para recrutar, mas esse é um dos aspectos mais críticos para a empresa”, diz o cofundador Humberto Barros. Outro fundador, Vinicius Poit trabalhou em uma empresa de reestruturação e sentiu isso na pele, tendo muitas vezes que se envolver em contratações pois as pequenas empresas tinham poucos recursos. “Vi um vácuo entre soluções e serviços”, diz.

Como indica o nome, a solução oferecida pela empresa é simples: ela se propõe a ser um agregador de sites de vagas, fazendo o intermédio entre a empresa e, atualmente, mais de 60 sites de vagas espalhados por vários Estados. Além de postar a vaga apenas uma vez, a empresa pode receber os currículos todos no mesmo lugar e criar um banco de dados.

O site também está começando a desenvolver uma inteligência artificial para tornar a combinação entre candidatos e vagas mais “afinada”. Com uma base de clientes formada em grande maioria por empresas de até 100 funcionários, entre eles muitos salões de beleza e restaurantes, o site já atendeu cerca de mil clientes que pagam em média R$ 49 por mês para ter acesso a uma vaga por vez.

Embora esse movimento seja liderado por empresas fundadas por estreantes no setor, nomes tradicionais do mercado já começam a incorporar tecnologias aos seus processos. No caso da prestadora de serviços de RH Randstad, isso se traduz em aquisições e investimentos em startups. Criado em 2014, um fundo do grupo já investiu em 10 empresas e fez a aquisição do site de vagas americano Monster no ano passado. “Somos uma empresa de RH em que nosso maior foco são os consultores, mas assim conseguimos unir o melhor que a tecnologia e as pessoas têm a oferecer”, explica o presidente da Randstad no Brasil, Jorge Vazquez. O fundo ainda não investiu em nenhuma empresa brasileira, mas ele diz que sua equipe está de olho no mercado local em busca de oportunidades.

Uma das adquiridas foi a Pymetrics, uma empresa de testes de perfil cognitivo e emocional em formatos de jogos. Ao usar o serviço, oferecido no Brasil há seis meses, as empresas mapeiam os atuais funcionários e buscam perfis similares entre os candidatos. “Mas é claro que complementamos isso com as competências dos nossos consultores, com entrevistas, para ajudar na escolha do cliente. O valor está em um ajudar o outro”, diz Vasquez.

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