The Economist: O fim da OMC como a conhecemos

“O inverno está chegando”, alertou o representante norueguês em 22 de novembro durante reunião da Organização Mundial do Comercio (OMC). O sistema de comércio multilateral que a organização supervisiona desde 1995 está prestes a congelar. No dia 19 deste mês, dois juízes do seu órgão de apelação, que analisa os recursos em disputas comerciais e determina sanções contra os contraventores, devem se aposentar, e um bloqueio americano a novas nomeações indica que eles não serão substituídos. Apenas um juiz ficará na função. E não terá mais possibilidade de analisar novos casos.
A OMC é base de sustentação de 96% do comércio global. Segundo uma estimativa recente, a afiliação dos países à organização, ou seu predecessor, o Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio (Gatt, na sigla em inglês), impulsionou o comércio entre seus membros em 171%. Quando iPhones mudam da China para os Estados Unidos ou as garrafas de uísque da União Europeia vão para a Índia, é a OMC que decide se as tarifas e barreiras não tarifárias têm de permanecer baixas e dá às empresas a segurança que necessitam para planejar e investir.
A ideia é que o sistema se imponha automaticamente. Muitos países cumprem as regras da OMC. Mas se um deles entende que um outro as transgrediu, lançará uma discussão comercial individual que poderá se transformar numa disputa formal na organização. Se a decisão da OMC desagradar a uma das partes, esta pode recorrer. Os julgamentos do órgão de apelação têm grande impacto. Se o perdedor não cumprir as regras, o vencedor tem direito a impor tarifas acima daquele valor que os juízes consideraram ser o custo pela transgressão. É essa punição que constitui um freio, em primeiro lugar, à violação de normas.
Não surpreende o fato de o presidente Donald Trump ter descartado esses árbitros estrangeiros diante do seu desagrado geral com regras estabelecidas internacionalmente. Em 12 de novembro, ele disse estar “muito incerto” em relação à OMC. Mas os problemas são mais profundos do que a aversão às instituições multilaterais. Eles decorrem de uma quebra de confiança na maneira como a lei internacional funciona e uma falência mais geral da divisão de negociação da OMC.
Se os americanos sentissem que conseguiriam resolver suas queixas, seus ressentimentos em relação ao órgão de apelação poderiam não se intensificar. Mas com tantos membros relutando a uma liberalização do comércio, incluindo países menores que temem a abertura para a China, isso é impossível.
Os EUA tiveram algumas vitórias na organização: contra a UE pelos subsídios concedidos à Airbus; e contra a China pelos seus subsídios domésticos, roubo de propriedade intelectual, controle das exportações de metais de terras raras utilizados na fabricação de celulares e mesmo contra suas tarifas sobre a carne de frango americana. Mas também foi levado várias vezes ao órgão de apelação por países que se opuseram ao seu uso autocrático de “remédios comerciais”, ou seja, tarifas adotadas supostamente para defender seus produtores contra uma concorrência desleal.
Se governos anteriores nos EUA resmungaram e ocasionalmente interferiram nas nomeações dos juízes, desta vez a administração Trump foi mais longe. Ele se queixa de que as disputas com frequência se arrastam por muito mais tempo do que o prazo máximo de 90 e, mais sério, de que as decisões do órgão de apelação vão além daquilo a que os membros se comprometeram. E deixou claro que, salvo se essas questões não forem solucionadas, nenhum novo juiz será confirmado.
O excesso judicial está nos olhos de quem vê. Os perdedores sempre acharão que não foram tratados de maneira justa, e os EUA são rápidos em comemorar decisões da OMC quando saem vitoriosos. Mas, para muitos outros países, o órgão extrapolou sua função. Uma pesquisa recente com pessoas envolvidas com a OMC, incluindo representantes nacionais, concluiu que 58% concordam com esse veredicto.
Conseguir que um número tão grande de países aderisse à OMC foi um êxito notável. Com 164 membros, a OMC ficou mais inclusiva, mas incapaz de ter a concordância de todos. Cada membro tem poder de veto sobre qualquer nova liberalização comercial multilateral. E sem novas negociações, o ressentimento com relação ao órgão de apelação aumentou.
Se o sistema multilateral tivesse sido mais eficiente na condução da ascensão da China, talvez seu maior problema atualmente, então os apelos para salvá-lo seriam mais vigorosos em Washington. Embora vários governos americanos tenham interposto e vencido vários casos, os EUA afirmam, com razão, que, quando quiseram chamar a China à responsabilidade por suas violações, não tiveram muito apoio. Agora que o governo Trump ignorou a OMC e entrou em disputa direta com a China, não há nada que ele particularmente deseje da organização. E assim, as chances de que ceda e permita a nomeação de juízes no dia 10 são mínimas.
Tudo isso significa que o comércio global está prestes a se tornar muito menos previsível e muito mais contencioso. Sem o órgão de apelação para agir como um intermediário de confiança, as disputas entre os membros de mais peso devem se intensificar. De todas as políticas comerciais adotadas por Trump esta talvez seja a mais difícil de reverter e terá os efeitos mais duradouros.

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