Sucesso de startups anima acadêmicos a empreenderem

O físico Marcelo Sousa trabalha 72 horas por semana. Pelo menos em 20 delas estuda, escreve artigos ou inicia novas pesquisas científicas. Nas 52 horas restantes, dedica-se à Bright PhotoMedicine, empresa que abriu em 2014, resultado da tese de mestrado que defendeu na Universidade de São Paulo (USP) e na Escola de Medicina de Harvard, nos Estados Unidos. “Hoje, penso com cabeça de cientista e me movimento com corpo de empreendedor”, diz o também professor de residência médica, que patenteou um curativo que usa a luz para reduzir dores.
Aos 31 anos, Sousa faz parte de uma nova leva de acadêmicos que não quer mais se limitar aos laboratórios e salas de aulas das universidades. Optam por criar startups, geralmente ligadas aos estudos que trilharam. Para se ter uma ideia, no Centro de Inovação, Empreendedorismo e Tecnologia (Cietec), incubadora ligada à USP que apoiou 572 empresas nos últimos 20 anos, estima-se que cerca de 50% do total têm mestres ou doutores no comando. “Mais de 100 desses negócios continuam operacionais”, diz Sérgio Risola, diretor executivo do Cietec, como mostrou matéria do valor, assinada por Jacílio Saraiva, publicada em 22/03
Na aceleradora de negócios paulista Startup Farm, 62% dos empreendimentos que passaram pelo local nos últimos dois anos também têm fundadores com diplomas de mestrado ou doutorado. “A maior disseminação do modelo de startups e o surgimento de cases de sucesso incentivam a entrada de pessoas qualificadas na área”, analisa Rafaela Herrera Silva, desenvolvedora de negócios da organização que já recebeu 276 negócios desde 2011. “O desafio desses novos gestores é achar o ‘match’ entre o produto desenvolvido na academia e as necessidades do mercado.”
Para Sousa, o principal obstáculo ao entrar no mundo dos negócios foi a gestão do RH da nova empresa, hoje com 25 funcionários. O maior problema é lidar com pessoas, diz ele, em sua estreia como empresário. Ao driblar a dificuldade, optou por montar equipes com experiências e faixas etárias diferentes. “Fui em busca do equilíbrio entre o novo e o tradicional.”
A receita tem dado certo. A Bright PhotoMedicine, em fase pré-operacional, já recebeu mais de R$ 150 mil de aportes da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) e de um investidor anjo. Em 2018, deve obter as certificações nacionais e internacionais do novo curativo, para iniciar vendas globais. “Quem faz um doutorado é provavelmente um dos maiores especialistas em um assunto”, diz Sousa. “Por isso, já parte na frente na criação de novas tecnologias.”
Também em busca de um nicho inovador, Paulo Gurgel Pinheiro tirou a Hoobox Robotics do papel em 2016. A startup desenvolveu o Wheelie, um programa de computador capaz de traduzir expressões faciais, como um sorriso, em comandos para cadeiras de rodas. “Tetraplégicos ou pessoas diagnosticadas com esclerose lateral amiotrófica [doença conhecida pela sigla ELA] podem controlar as cadeiras assim”, explica.
O kit criado pela Hoobox inclui, além da câmera, um computador de bordo e um mini robô com um joystick. “Leva apenas sete minutos para instalar tudo”, garante. A tecnologia também é usada em sistemas acoplados a camas hospitalares, para acompanhar o comportamento de pacientes, avaliar o sono e até dez níveis de dor. É como ter um enfermeiro artificial 24 horas, diz Pinheiro, que acumula um mestrado e doutorado em ciências da computação no Brasil e nos Estados Unidos, além de um pós-doutorado em engenharia elétrica.
Com sete funcionários, a empresa que opera dentro do laboratório de inovação da Johnson & Johnson, no Texas, e em duas incubadoras de negócios em São Paulo, deve faturar R$ 2 milhões em 2018. “O produto ainda é um protótipo, mas o envio dos kits cresce cerca de 20% ao mês”, diz. A maioria dos clientes entra em uma lista de pré-venda, com entregas programadas para 2018 e 2019. Os Estados Unidos são o principal mercado da companhia, já investida pelo Hospital Albert Einstein. Uma nova rodada de investimentos deve acontecer até o final do ano.
“Boa parte das minhas decisões como CEO é baseada em resultados de pesquisas científicas e das oportunidades de mercado”, diz Pinheiro, que aos 34 anos, também empreende pela primeira vez. Chega um momento em que é difícil saber quanto tempo é dedicado aos estudos ou ao negócio, afirma. Mesmo nos anos de universidade, o cientista sabia que ia ter uma empresa. “Passei o doutorado me preparando com habilidades para empreender.”
Para quem planeja fundar uma empresa pós-academia, a orientação é fazer um planejamento rigoroso e abrir mão de mostrar resultados somente quando o produto desejado atingir a perfeição. “Em uma startup, não é possível passar quatro anos pesquisando, sem apresentar, a cada três meses, uma versão funcional da solução pretendida”, ensina Pinheiro. “Você corre o risco de perder o ‘timing’ do negócio.”
Outra dica do empresário é não se deixar levar pelos méritos científicos da descoberta. “A solução pode sair de um estudo com ótimos resultados, ser publicada em revistas especializadas e aclamada pelo meio acadêmico. Mas nada disso importa se ninguém usá-la”, diz. “Saia da academia para validar a ideia no ‘mundo real’.”
É o que faz Luiz Fernando Mendes, CEO da Bioativos Naturais, empresa que surgiu durante um pós-doutorado em química ambiental. Incubada no Cietec, elevou o número de clientes de um, no ano passado, para cinco, em 2018. O faturamento, no mesmo período, deve saltar de R$ 103,5 mil para R$ 1,5 milhão.
“Já temos contratos de desenvolvimento com grandes companhias”, explica Mendes, 37 anos, em sua primeira experiência à frente de um negócio. Hoje, ele planeja uma fábrica para o fornecimento de ingredientes naturais, como óleos essenciais e extratos, para indústrias de alimento e de cosméticos.
“Sem a pesquisa científica, dificilmente o negócio teria sucesso, por conta da complexidade dos processos usados nos produtos”, diz. “Além disso, o conhecimento na área contribuiu para desenvolver a ideia e captar recursos.” Desde 2014, a Bioativos Naturais já recebeu R$ 3,5 milhões em aportes e editais de inovação.

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