Sauditas ameaçam guerra com Líbano; petróleo sobe

Arábia Saudita insinuou ontem que pode entrar em guerra com o Líbano, numa expansão do confronto regional com o Irã. A ameaça coincidiu com a continuação dos expurgos no país, que começaram no sábado, com a prisão de dezenas de autoridades e membros da família real. A instabilidade no país e o risco de escalada militar no Oriente Médio fizeram o petróleo subir ontem para a maior cotação em mais de dois anos.

O barril de petróleo tipo WTI subiu 2,5% na Bolsa Mercantil de Nova York, para US$ 57,02. Já o tipo Brent subiu 2,72%, para US$ 63,76, no ICE Futures Europe. Essas são as maiores cotações desde julho de 2015. O petróleo já vinha subindo nos últimos meses, mas a turbulência na Arábia Saudita elevou o temor com o abastecimento. O país é o maior exportador global, como mostrou artigo do Valor de  7/11

A onda de prisões continua. O governo diz se tratar de uma campanha anticorrupção, que está só na sua fase inicial. Ontem teria sido detido Nasser bin Aqeel al-Tayyar, um dos maiores empresários sauditas. Na noite de sábado, o investidor bilionário Alwaleed bin Talal foi detido, junto com ao menos 11 membros da família real, 4 ministros e outras autoridades.

Segundo analistas, a campanha faz parte de uma série de medidas tomadas pelo príncipe-herdeiro Mohammed bin Salman (conhecido pelas iniciais MbS) para se fortalecer internamente e ampliar a influência externa saudita.

O príncipe, de 32 anos, é filho do rei Salman, de 81 anos, e é quem governa de fato o país. Os expurgos, o poder acumulado por MbS e as reformas propostas por ele constituem a mudança mais dramática em 80 anos num regime que sempre prezou a estabilidade.

Desde que o rei Salman assumiu, em 2015, o príncipe iniciou uma intervenção militar no Iêmen, ampliou o confronto com o arqui-rival Irã e propôs reformas econômicas e sociais para reduzir a dependência do país do petróleo.

Um ministro saudita disse ontem que o Líbano declarou guerra à Arábia Saudita pelo que descreveu como agressão da milícia xiita libanesa Hizbollah (apoiada pelo Irã) contra o país. Não está claro se o ministro Thamer al-Sabhan se referiu a algum incidente em especial. Ele também não detalhou que medidas o país pretende tomar.

Os EUA apoiaram as medidas sauditas. O presidente Donald Trump tuitou que o rei e o príncipe MbS “sabem exatamente o que estão fazendo”. O Pentágono disse que os dois países “estão trabalhando juntos para combater extremistas e neutralizar a influência desestabilizadora do Irã”.

Aliados e rivais estão surpresos com a guinada assertiva e mesmo impulsiva da Arábia Saudita.

“O país está numa encruzilhada: sua economia está estagnada com o preço baixo do petróleo; a guerra no Iêmen é um pântano; o bloqueio ao Catar é um fracasso; a influência do Irã é crescente no Líbano, na Síria e no Iraque; e a sucessão ao trono está indefinida”, escreveu Bruce Riedel, ex-analista da CIA, a agência de inteligência dos EUA. “Este é possivelmente o período mais volátil da história saudita em mais de meio século.”

A bolsa saudita abriu em queda de 1,5% ontem, mas se recuperou e fechou estável. Gestores atribuíram a melhora às compras feitas por fundos ligados ao governo.

As prisões, que atingiram diversas personalidades do mundo empresarial, como o megainvestidor Alwaleed bin Talal, alarmaram a comunidade de negócios.

“Foram [presos] principalmente príncipes ligados o sistema anterior, que ganharam muito dinheiro nos negócios. Esse é o denominador comum”, disse Steffen Hertog, da London School of Economics. “Foi bem siustemático.”

As acusações incluem lavagem de dinheiro, corrupção, extorsão e peculato, segundo fontes. Não houve confirmação independente dessas acusações, e os familiares dos detidos não se pronunciaram.

Entre os detidos está o príncipe Miteb bin Abdullah, que foi substituído como ministro da Guarda Nacional. Isso consolidou o controle do príncipe MbS sobre todas as instituições militares e de segurança interna do país, algo inédito.

A consultoria Eurasia Group disse que a campanha anticorrupção, “claramente politizada”, é mais um passo para separar a família Al Saud do Estado saudita. “Membros da família real perderam a sua imunidade, que sempre havia sido uma garantia.”

Mas muitos analistas estão perplexos com a prisão de tecnocratas, como o ex-ministro da Economia Adel Faqieh, e de importantes executivos e empresários, num momento em que o país busca atrair investimentos estrangeiros para setores não petrolíferos.

MbS se tornou o líder de fato do país, tomando as decisões em questões militares, econômicas e de política externa, defendendo o corte de subsídios estatais, a venda de ativos públicos e uma guinada por mais eficiência no governo. Ele avançou também em medidas de liberalização social, como a permissão para que mulheres possam dirigir automóveis. As reformas foram bem recebidas por boa parte da juventude saudita, mas enfrentam resistência da velha guarda.

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