Quem paga a conta da mudança do clima?

A briga é bem conhecida. A conferência do clima de Lima, a chamada CoP-20, iniciada ontem, no Peru, tem a tarefa de pavimentar o caminho para o acordo climático global a ser assinado em Paris, em 2015, para entrar em vigor em 2020. Nos bastidores do evento da ONU há um jogo de empurra de quem paga a conta da mudança do clima.
Delegados de mais de 190 países estarão reunidos durante duas semanas. O evento tem três missões: fechar os elementos do novo acordo, estabelecer padrões para que os países definam as contribuições nacionais e elevar o nível dos cortes nas emissões para o período até 2020.
O texto sobre a mesa, dos elementos do acordo, é um resumo das propostas que os governos fizeram ao longo do ano. Não é um texto de negociação. O prazo é apertado. Pelas regras da ONU, um rascunho tem que estar pronto até 30 de maio, para dar tempo de ser fechado em Paris.
Países ricos querem algo resumido e que apenas mencione que o texto deve tratar de mitigação, adaptação, meios de implementação (recurso financeiro, transferência de tecnologia e capacitação) e transparência nas ações e no apoio. Países em desenvolvimento esperam algo mais detalhado – que diga, por exemplo, com que dinheiro poderão reduzir sua emissão.
A maior diferença, no entanto, está na lista dos países que compõem os anexos da convenção sobre mudança do clima da ONU. O Protocolo de Kyoto tornou célebre o Anexo 1 – que elenca os desenvolvidos e mais o leste europeu, a quem cabem metas obrigatórias de redução de gases. O anexo 2 lista os países da Organização para Cooperação e Desenvolvimento (OCDE), basicamente os mais ricos do mundo. “Tem gente que quer rasgar a convenção”, diz um diplomata da América Latina, apontando o dedo para EUA e Europa, que gostariam de um novo arranjo.
Outro ponto que deve avançar é a forma das contribuições voluntárias que os países devem apresentar até março, para que possam ser comparáveis entre si. O novo acordo terá compromissos voluntários, mas será legalmente vinculante, no jargão diplomático. A COP-20 também tem que definir cortes ambiciosos de gases-estufa para o período até 2020.
No pano de fundo, há sinalizações positivas. O Fundo Climático Verde, que deve financiar iniciativas de mitigação e adaptação nos países, começou a decolar. Há 10 dias, em Berlim, 21 países (entre eles os EUA, Reino Unido, Alemanha, França, Japão e Suécia), se comprometeram com mais de US$ 9 bilhões. “Este dinheiro inspira confiança de que os países desenvolvidos estão levando a sério o financiamento da mudança climática”, diz Mark Lutes, consultor de política climática do WWF Internacional. Falta muito, no entanto, para os US$ 100 bilhões anuais que deveriam existir em 2020, para dar conta dos desafios globais.
O acordo bilateral da China (o maior emissor no presente), com os EUA (o que mais emitiu no passado), embora vago, dá ânimo às negociações. A União Europeia também aumentou sua promessa de redução. “Temos boas ofertas iniciais”, diz Sam Smith, líder da campanha climática do WWF Internacional. “Isso pode dar impulso político às negociações. Mas a tensão que existe é entre ter um acordo fraco ou um acordo de verdade. Veremos isso em Lima e no caminho para Paris.”
O Brasil apresentou duas propostas. Uma propõe uma estrutura de gradação de compromissos e responsabilidades entre os países que rompe a tradicional arquitetura binária que opõe ricos e em desenvolvimento. O esquema de círculos concêntricos brasileiro colocaria as economias emergentes descoladas de países pobres e com metas diferentes também das dos países ricos. A outra sugestão brasileira, que estará em discussão em Lima, quer que se reconheça o valor social do carbono e estimula a criação de incentivos para cortes de emissões.

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