Para novos grupos de mídia, o inverno já chegou

O inverno chegou para a nova geração de empresas de mídia digitais. O setor, que até pouco tempo atrás estava bem aquecido, agora sente calafrios diante das metas de receita descumpridas, do cenário incerto de anúncios e da mudança de abordagem do Facebook para o conteúdo noticioso.
As receitas da Vice Media, empresa que conquistou um público jovem significativo e é uma das mais acompanhadas pelo mercado, ficaram US$ 100 milhões abaixo de suas próprias previsões em 2017, afetadas pelo fraco desempenho das operações de vídeos digitais e do canal a cabo Viceland.
O BuzzFeed, que é especializado em notícias e entretenimento e havia investido pesadamente em vídeo, também não alcançou as metas anuais. A Mashable, que chegou a ser uma das empresas de notícias on-line mais badaladas, foi vendida recentemente a um preço de ponta de estoque, como mostrou matéria do Financial Times, assinada por Matthew Garrahan e Shannon Bond, publicada no Valor Econômico de 21/02.
O desafio diante dessas empresas e de outras, como a Vox Media, dona das marcas digitais Curbed e Recode, é descobrir como diversificar e progredir em um momento no qual a mídia tradicional (em outras palavras, a televisão) também está sob extrema pressão, diante da ascensão de serviços como Netflix e Amazon Prime.
O temor é agravado pelas incertezas quanto aos anúncios, uma vez que Google e Facebook, na prática, estão se tornando um duopólio: juntas conquistaram 63% dos anúncios digitais nos EUA em 2017, segundo a empresa de análises de mercado eMarketer. Outro fator que amplifica os receios é a recente mudança no algoritmo de distribuição de notícias do Facebook: a rede social não vai mais dar prioridade a fontes de notícias e vai pesquisar seus usuários para classificar as publicações com base em sua “credibilidade”.
O impacto total dessas mudanças ainda não foi absorvido por empresas como BuzzFeed e Vox Media, que usam as redes sociais para distribuir seu conteúdo. Mas, analistas não creem que a mudança seja boa notícia para muitos fornecedores de conteúdo noticioso.
“As mudanças na distribuição de notícias terão impacto mais negativo nas editoras que dependem primeiramente do tráfego encaminhado pelo Facebook e nas empresas especializadas em produzir e distribuir vídeos patrocinados para o Facebook”, diz Christopher Vollmer, que trabalha na empresa de auditoria e consultoria PwC como líder de assessoria mundial para os setores de mídia e entretenimento. Editoras de conteúdo de maior porte e “marcas impulsionadas pelos usuários”, cujo público ativo, além de maior engajamento, lhes garante maior diversidade de fontes de receita, “vão ser bem menos impactadas pela mudança”, acrescenta.
Todos as novas empresas digitais tentam encontrar novas formas de gerar renda. A Vice Media passou a depender menos da publicidade digital há vários anos, quando começou a entrar na TV – uma estratégia que atraiu investimentos da Walt Disney e do grupo de investimento em participações TPG, que avaliaram a empresa em US$ 5,7 bilhões, em 2017. Atualmente, produz um programa noturno e uma série de documentários para a HBO, o canal a cabo pertencente à Time Warner, além de ter acordos de programação com várias emissoras internacionais.
A TV tradicional, contudo, não é uma panaceia, como a empresa descobriu a duras penas em 2017, depois de o canal Viceland não ter conseguido atrair grande audiência. Um porta-voz disse que a receita da empresa teve alta recorde em 2017 e que foram “produzidas centenas de horas de programação para audiências pelo mundo”.
O BuzzFeed chegou mais tarde ao mundo dos vídeos, mas consolidou um estúdio em Los Angeles para desenvolver formatos para venda e produção. A Vox Media recém-assinou contrato para produzir um programa para a Netflix.
O executivo-chefe da Vox Media, Jim Bankoff, reconheceu em recente mensagem aos funcionários que as mudanças no algoritmo do Facebook são “imprevisíveis”, mas ressaltou que no fim das contas podem ser positivas para a empresa. Eles “vão favorecer o jornalismo confiável e o local”, escreveu. “Ainda mais pessoas estarão expostas ao nosso trabalho”.
A Vox Media mudará a forma como trabalha com Facebook. “Vamos reduzir nossa programação de vídeos nativos”, como são chamados os vídeos carregados para serem vistos nas próprias plataformas das redes sociais, disse.
O BuzzFeed, que cortou cerca de cem empregos como parte de uma reestruturação, afirma que está “evoluindo para um modelo de várias fontes de receitas”, menos dependente da chamada publicidade nativa, que foi a base de seu negócio por muitos anos.
Também houve conversas informais entre Ben Smith, editor do BuzzFeed News, e Peter Lattman, diretor-gerente da Emerson Collective, um grupo sem fins lucrativos fundado por Laurene Powell Jobs, viúva de Steve Jobs, sobre um possível investimento ou desmembramento do BuzzFeed News.
O executivo-chefe do BuzzFeed, Jonah Peretti, disse ao “Financial Times” não haver planos para vender a divisão de notícias, mas que não se descarta aceitar investimentos. “As notícias agregam muito valor de muitas formas diferentes”, diz.
Ele também destaca as dificuldades enfrentadas pelo Facebook com as notícias falsas. “Quando essas plataformas de US$ 500 bilhões encontram dificuldade para distinguir as notícias, e nós temos a capacidade de ser um dos poucos fornecedores de notícias verdadeiras que chegam a grandes audiências e não exigem assinatura – e são nativas digitais -, isso é estrategicamente atraente”, diz. “No longo prazo, há muito valor nisso.”
O BuzzFeed e outras empresas de mídia conquistaram grandes audiências em boa parte graças ao tráfego enviado pelo Google e Facebook. Mas empresas buscando ganhar dinheiro distribuindo seu conteúdo por plataformas de terceiros, no entanto, não conseguiram avançar muito, segundo um novo relatório da Digital Content Next (DCN), um grupo que representa mais de 70 grandes grupos de mídia, incluindo a Vox Media, a NBC e o “Financial Times”.
Uma pesquisa com 20 membros da DCN mostrou que a receita que obtiveram com o Facebook, Google, Apple, Snapchat e outras plataformas aumentou 37%, para US$ 10,1 milhões, no primeiro semestre de 2017 em relação ao mesmo período de 2016. A proporção em relação à receita digital total das empresas, porém, mostrou pouco avanço: passou de 14% para 16% na comparação entre os dois períodos.
Google e Facebook, combinados, representam apenas 5% das receitas digitais totais dessas empresas, mesmo enquanto ambas seguem elevando o controle sobre o mercado de publicidade on-line.
Enquanto as queridinhas da mídia digital tentam novos modelos de negócios, alguns pesos pesados da mídia tradicional seguem um rumo diferente.
O “The New York Times” anunciou recentemente que já havia superado metade da meta de dobrar suas vendas digitais para US$ 800 milhões até 2020, graças ao aumento das assinaturas on-line. O jornal tem mais de 2,6 milhões de assinantes digitais e a receita total com as assinaturas passou de US$ 1 bilhão pela primeira vez em 2017 – representando
mais de 60% das vendas totais. Os investidores fizeram as ações da empresa subir a níveis que não se via há mais de dez anos.
O “The New York Times”, assim com o “Financial Times”, o “The Wall Street Journal” e outros jornais mudaram suas estratégias comerciais, passando a depender menos de anunciantes e mais das assinaturas, ao perceberem o cenário de queda na circulação impressa e a forte concorrência do Google e Facebook no mercado de anúncios digitais.
Seja para os novos nomes ou para os mais tradicionais, parece que o cenário em mutação da mídia continua lançando indiscriminadamente obstáculos à sua frente.

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