O efeito da Guerra que a Europa ignorou

O tempo passou e a conta chegou. Mais de quatro anos depois da eclosão da guerra civil da Síria, os ecos dos canhões chegam até a Europa, na figura de milhares de refugiados de um conflito que não dá sinais de terminar. Pela primeira vez em décadas, a população europeia está sendo obrigada a se deparar com cenas de refugiados, muitos deles famintos, exaustos, sujos e desesperados.

Se na Grécia, Macedônia, Sérvia e Hungria, confrontos foram registrados nos últimos dias entre os refugiados e as polícias locais, na Alemanha e em outras partes do continente, são as autoridades e ONGs que se apressam para encontrar escolas vazias, atendimento médico e dinheiro em uma mobilização inédita para lidar com a crise, como mostrou material ssinada por Jamil Chade, no Estadão de 06/09, pg A 10.

“Os efeitos da guerra na Síria hoje estão na Europa e esse conflito terá um impacto aqui também”, afirmou ao Estado o secretário- geral do Conselho da Europa, Thorbjorn Jagland. “A partir de agora, a guerra da Síria também é um assunto europeu e é incrível que até hoje o Conselho de Segurança da ONU não tenha atuado”, disse.

Por mais que a ONU tenha alertado que o conflito é a maior crise humana em décadas e já matou mais de 230 mil pessoas, nenhuma solução política foi encontrada. O mapa da Síria mudou de forma radical, o Estado Islâmico ganhou terreno e metade da população do país foi obrigada a abandonar suas casas – mais de 12 milhões de pessoas.

Num primeiro momento, esses refugiados optaram por ir para Jordânia, Líbano e Turquia. Formaram cidades inteiras, mas sempre guardavam a esperança de que a guerra terminaria e retornariam para casa. “Minha mãe sempre nos dizia: não vamos muito longe, para ficar fácil de voltar”, afirmou ao Estado Yasmina Mena, de 14 anos, num centro de refugiados em Passau, na Alemanha. “Depois de dois anos eu e meus irmãos a convencemos de que não dava mais para viver daquele jeito e precisávamos vir para a Europa.”

Assim como Yasmina, milhares de outras pessoas entenderam que havia chegado o momento de buscar um futuro. Na última semana, as estimativas indicam que mais de 20 mil pessoas entraram na Europa vindas da Síria. No ano, foram 360 mil pessoas, num ritmo que ganha força. “Muita gente perdeu as esperanças de que a guerra termine logo”, confirmou Melissa Fleming, porta-voz do Alto-Comissariado da ONU para Refugiados (Acnur). Mas, segundo ela, há outro fator que pesou: o descaso da comunidade internacional com 1,9 milhão de refugiados sírios na Turquia e 1 milhão no Líbano e na Jordânia.

Na ONU, funcionários de alto escalão disseram ao Estado que o sentimento por meses foi o de que a comunidade internacional havia “rifado” a Síria e um acordo com o Irã parecia mais importante do que garantir o destino de Damasco. Em termos financeiros, a situação humanitária foi abandonada, o que teria puxado milhares de pessoas na direção da Europa.

Dos US$ 4,5 bilhões que a ONU precisa para garantir alimentos e abrigo para os refugiados sírios no Oriente Médio, a entidade recebeu apenas US$ 1,6 bilhão. Dos US$ 3 bilhões que precisa para ajudar os sírios que ficaram no país, a ONU recebeu apenas US$ 900 milhões.

“Por anos pedimos ajuda da Europa para conter a guerra. A comunidade internacional nunca agiu. Onde está a ONU? O que estão fazendo os países?”, criticou Adnan, um refugiado de 32 anos, pai de três meninas, que aguardava para ser atendido em um posto perto da fronteira da Alemanha com a Áustria. “Como ninguém foi lá nos ajudar, decidimos vir até aqui pedir ajuda”, ironizou.

Uma prova disso é o perfil dos refugiados. “Por anos, vimos apenas homens tentando chegar até a Europa. Agora, são mulheres e crianças”, explicou Bertrand Desmoulins, representante da Unicef na Macedônia. “A tese que temos é a de que primeiro veio o homem, para abrir caminho. Agora, chegou a vez de ele trazer toda a família”, disse. Outro sinal de que o fluxo é duradouro é o fato de que as grávidas representam 12% dos refugiados.

O desembarque da guerra síria nas cidades europeias também terá um preço alto. Apenas na Alemanha, a ministra do Trabalho, Andrea Nahle, indica que gastará 3,3 bilhões euros para integrar esses refugiados, com cursos de alemão, seguro-desemprego e moradia. Até 2019, essa conta chegará a 7 bilhões de euros.

O novo cenário, porém, abre uma crise profunda na Europa: a de lidar com uma onda de estrangeiros justamente num momento em que os partidos xenófobos ganham espaço e eleições. Centros de acolhida de refugiados foram atacados e, em seis meses, as diferentes polícias registraram mais de 400 incidentes de xenofobia contra os estrangeiros. Os atos ainda foram seguidos por discursos de líderes com um tom ameaçador aos estrangeiros nesta semana. O mais enfático foi o do primeiro-ministro da Hungria, Viktor Orbán, que ergueu barreiras “para evitar que os cristãos fossem minoria em seu próprio continente”. Ele deixou claro que vai recusar a proposta da ONU e da Alemanha de que todos os países aceitem refugiados.

Para o alto-comissário da ONU para Refugiados, Antonio Guterres, o momento e até mesmo a foto do garoto sírio Aylan, morto na costa da Turquia, podem ser “chaves para reverter a onda de xenofobia”. “Esta é uma batalha de valores que a Europa precisa vencer.”

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