No Google, trabalho não é diversão

Quando se fala em Google, umas das empresas que está sempre no topo da lista dos sonhos de milhares de jovens brasileiros, existem muitos mitos e algumas verdades. O prédio, na avenida Faria Lima em São Paulo, é lindo mesmo, tem lanchonetes temáticas, bons restaurantes, academia, mesa de jogos, quitutes à vontade, enfim, uma quantidade considerável de mimos que deixam qualquer profissional com aquela sensação de que ali deve ser um lugar muito divertido para se trabalhar.
Bem, daí vêm as ponderações. Divertido para quem gosta da filosofia “work
hard, play hard”, avisa o CEO Fabio Coelho, que há oito anos comanda a
empresa no Brasil. No próximo dia 27, a companhia completa 20 anos de
existência no mundo, com 1 bilhão de usuários. E, por mais descolado e promissor que possa parecer trabalhar em uma das maiores empresas de tecnologia do planeta, cujo faturamento superou os US$ 100 bilhões no ano passado, poucos imaginam como é ser um “googler” de verdade.
“Aqui temos regras a serem seguidas e todos têm um ritmo de trabalho bem pesado”, alerta o CEO. A própria agenda do executivo reflete o que se espera em termos de produtividade na companhia. Das 8 horas às 19:30, Coelho consegue encaixar até 16 reuniões, de 30 minutos cada. “Hoje fiz 8 desde que entrei de manhã até a hora do almoço”, ressalta. Ele mostra no laptop a preparação para cada um desses encontros. São planilhas, textos, gráficos e um histórico de tudo o que já foi falado sobre o projeto ou negócio. “Preparamos tudo antes, não tem cafezinho nem bate-papo.”.
Entre uma reunião e outra, ele reserva alguns minutos caso alguém queira conversar algo específico. Mas o CEO lembra que cada área possui um orçamento para promover encontros menos formais para a “construção de confiança, transparência e cumplicidade”. No dia a dia, as conversas devem ser produtivas.
O Google é uma empresa meritocrática. Coelho diz que o sistema de métricas é muito apertado. “Ninguém fica jogando pingue-pongue”, diverte-se. Ele reconhece que lá todos trabalham sob pressão. Para avaliar como os “googlers” estão lidando com isso, a companhia mede periodicamente a “segurança psicológica” dos funcionários. Já a avaliação de desempenho é semestral, mas cada um recebe provas que devem ser entregues a cada três meses.
Nem o CEO escapa da sabatina. Ele mostra que, de todas as provas que precisa entregar até o fim do trimestre, ainda faltam terminar duas. “Até agora fiz só 33%.” São testes que aferem não apenas o conhecimento técnico, voltado à melhoria da performance, mas também as chamadas “soft skills”, habilidades comportamentais como liderança, por exemplo. Coelho diz que ainda são indicadas até oito horas de leitura a cada trimestre. Todas essas tarefas vão compor, segundo ele, o processo de avaliação.
A diretora de RH para a América Latina Monica Santos explica que a avaliação de desempenho é feita pelo gestor imediato. Mas, para chegar à nota final que vai ter impacto na remuneração e promoção, ele leva em conta a calibração feita por outros gestores e a avaliação 360 graus, onde o próprio funcionário faz uma autoavaliação, além de indicar colegas para julgarem o seu trabalho. “Se ele escolher quem só fala bem dele, não vai perceber os pontos cegos e onde pode melhorar”, diz Monica. Já o bônus fica atrelado ao cumprimento de metas – cada área tem uma específica.
“Aqui temos regras a serem seguidas e todos têm um ritmo de trabalho bem pesado”, diz o CEO Fabio Coelho
Em relação a promoções, o CEO lembra que nem todas são verticais, porque o desenho da companhia é pouco hierárquico. Mas o fato de muitos funcionários irem para outras unidades no mundo – só neste ano dezenas de brasileiros foram para o exterior – ajuda a abrir espaços. “O salário não pode ser o principal ‘driver’ de uma movimentação, mas sim o desenvolvimento”, diz Coelho.
A média de idade dos 750 funcionários no Brasil é de 31 anos. “São jovens ambiciosos que querem crescer, mas tem que haver um entendimento de que nem todas as oportunidades são possíveis para todos.” Um engenheiro de software iniciante no Google recebe, em média, R$ 12.375 e um programador, R$ 8.175, segundo os salários publicados pelos próprios funcionários no site Love Mondays. Enquanto a Microsoft paga pelas mesmas funções, segundo o site, em média, R$ 10.443 e R$ 4.580.
O grande mérito do Google, segundo o gestor, é conseguir contratar pessoas bem alinhadas com a sua cultura, embora a mítica que envolve a empresa atraia alguns desavisados. No mundo, milhões de pessoas pleiteiam uma vaga na companhia todos os anos e diz a lenda que é 25 vezes mais difícil entrar no Google do que em Harvard. No Brasil, a empresa não informa o número de candidatos por vaga, mas a procura é grande. Afinal, a companhia foi eleita “empresa dos sonhos” nos últimos quatro anos em levantamento da Cia de Talentos, que só em 2017 ouviu mais de 80 mil jovens brasileiros.
Um dado curioso é que o recrutamento no Google não é feito por algoritmos ou inteligência artificial. “Nosso processo seletivo é bem mais simples e humano do que as pessoas imaginam”, conta Monica. Existe um departamento interno com funcionários dedicados à triagem de currículos e à pesquisa de candidatos. “Buscamos pessoas pelo LinkedIn e há anos não contratamos empresas de recrutamento.”
O desafio do candidato a “googler” é ser aprovado em entrevistas realizadas pelo gestor que está contratando e mais três pessoas, sendo uma de outra área da companhia. As perguntas, tanto hipotéticas como comportamentais, segundo Monica, têm o objetivo de mostrar como o profissional reagiria a determinadas situações. Cada entrevistador formula suas próprias questões ou pode recorrer a modelos de questionários disponíveis para algumas vagas. O tempo da entrevista é de 40 minutos.
A palavra final, no entanto, vem de um comitê internacional que analisa todas as entrevistas do candidato. “Nunca a decisão é no próprio país”, diz Monica. Ela afirma que, dessa forma, a empresa consegue ter um parecer mais imparcial. Ao longo dos anos, a diretora diz que a companhia consegue identificar melhor quem é mais propenso a se alinhar com a sua cultura. Hoje não é preciso preencher todos os pré-requisitos de uma vaga para entrar. “Existem certas exigências que o gestor pode abrir mão, já que a pessoa pode aprender.”
“Nosso processo seletivo é bem mais simples e humano do que as pessoas imaginam”, diz Monica Santos, diretora de RH
Uma das críticas ao Google era que a companhia contratava pessoas superqualificadas para realizar tarefas simplórias. Monica diz que antes a empresa buscava candidatos apenas nas melhores faculdades e levava em conta todo o histórico de notas acadêmicas. “Fizemos estudos e comprovamos que isso não garantia que eles seriam bem sucedidos no trabalho”, afirma. “Passamos a buscar jovens em escolas médias, mas com ótimos alunos, e com isso conseguimos ampliar a diversidade nos nossos quadros.”
O mais importante, segundo Monica, é que o candidato entenda que o processo é transparente e que trabalhar em uma empresas de inovação não é tão “glamoroso ou sexy” como se imagina. “Muitas vezes, é preciso cuidar da contabilidade, tirar o próprio xerox, fazer relatório de viagem, o conjunto do que você faz é que tem que ser relevante”, diz.
Desde o início, um dos diferenciais na gestão de pessoas do Google são os 20% de tempo do dia que seus engenheiros podiam dedicar a projetos pessoais. Isso continua a existir, segundo Monica, mas esse período é dirigido a ideias relacionadas ao negócio. Ela diz que isso ajuda quem acha o trabalho que está fazendo chato, porque dá a oportunidade de a pessoa testar outras habilidades, como a de liderar, inventando ações para outros departamentos.
O importante é estar interagindo com os colegas. O horário de trabalho é flexível se a função permitir. No geral, as jornadas podem ser longas e o trabalho remoto não faz parte da rotina. “Fornecemos as ferramentas no celular e no computador, se a pessoa precisar trabalhar a distância, mas não gostamos nem incentivamos o trabalho remoto”, diz Monica. Ela diz que o funcionário pode até ser mais produtivo em casa, mas ele também fica menos criativo com a falta de interação.
No caso da licença-maternidade, de seis meses ou sete com a inclusão das férias, e da licença-paternidade de três meses, a regra é não incomodar com trabalho quem está fora. Monica tirou sete meses de licença e dividiu suas funções entre vários membros da equipe. Acompanhou os e-mails nesse período, mas não respondeu a nenhum. “Tinha que dar o exemplo, já que sou do RH.”
Os benefícios do Google não são flexíveis, segundo ela, por conta da legislação brasileira, que dificulta oferecer uma cesta customizada. Mesmo assim, alguns chamam atenção, como o auxílio por dez anos ao cônjuge do funcionário que venha a falecer. “Ele ou ela recebe metade do salário do empregado durante esse período e se tiver filho vai receber mais um adicional mensal”, diz. “Como os funcionários são jovens, esse benefício não é tão usado, mas está disponível.”
Embora não divulgue a taxa de turnover, o CEO diz que é baixa. “Somos tão rígidos na seleção que só vai embora quem realmente não se adapta”, diz. “Somos uma empresa generosa, mas de alta performance. Temos o propósito de sermos socialmente responsáveis, mas isso aqui é um negócio, não uma ONG.”

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