Na era das redes 5G cresce a preocupação com a falta de talentos

A chegada das redes 5G ao mercado – e todas as aplicações que elas permitirão aos negócios, incluindo projetos de inteligência artificial, robótica e internet das coisas – foi o centro das discussões de executivos durante o Mobile World Congress (MWC), maior evento de tecnologias móveis do mundo, com sede em Barcelona, na Espanha. Ainda que o 5G já venha sendo a estrela dos debates de executivos de todos os setores nas últimas edições do MWC, apenas em 2019 as lideranças se mostraram preocupadas com a falta de um item essencial para a implementação das inovações tão desejadas pelos negócios: o talento.
“As redes 5G têm repercussão em todos os setores, especialmente em áreas como consultoria, serviços financeiros, indústria e, claro, tecnologia”, diz Maria Obiols, diretora do serviço de carreiras da escola de negócios espanhola Esade. Com redes mais velozes e maior volume de dados, tecnologias como carros, fábricas e máquinas agrícolas autônomas passam a ser realidade palpável para a indústria, assim como cirurgias complexas a distância e vendas via realidade virtual, por exemplo. Mas a ‘crise do talento digital’ não se trata apenas da já conhecida falta de especialistas em áreas como desenvolvimento de softwares ou análise de dados, mas de uma grave escassez de competências que são essenciais para que as companhias empreendam a sua transformação digital.
Esse perfil desejado e escasso é o chamado ‘data-driven’, ou orientado a dados. “Independentemente do setor, essa habilidade hoje é indispensável”, diz Maria Obiols. Principalmente quando se trata de posições executivas, o profissional deve saber como o acesso a mais dados, em uma velocidade maior, pode influenciar as decisões estratégicas da empresa – para, então, ser capaz de criar e inovar. “Enquanto no passado o foco estava na busca de perfis de liderança, hoje as empresas querem profissionais que saibam lidar com a mudança constante e que trabalhem em times diversos, com curiosidade intelectual e perfil empreendedor.”
O empreendedor interno é a menina dos olhos das grandes corporações hoje, e uma das grandes apostas das escolas de negócios em seus programas de inovação corporativa. “Hoje, 80% dos melhores alunos de MBA têm esse perfil, que une intimidade com as novas tecnologias e a visão ampla de negócios de um futuro CEO”, afirma Julia Prats, reitora associada da escola de negócios Iese.
Os especialistas dizem que o perfil mais valorizado é o que consegue atuar como um ‘intérprete’ entre duas áreas – a das inovações tecnológicas como inteligência artificial e internet das coisas e a dos resultados palpáveis e lucros para os negócios. Durante o 4YFN, evento paralelo do Mobile World Congress voltado a startups e protótipos que só irão ao mercado nos próximos quatro anos, a empresa de automóveis alemã Daimler exibiu vários projetos de empreendedores internos.
É o caso do consultor sênior Gabor Gors, que no ano passado foi um dos vencedores de um desafio de inovação promovido pela empresa e ganhou ‘patrocínio interno’ para desenvolver sua startup, a Greencoin, um programa de fidelidade que incentiva o transporte sustentável.
Gors, que tem formação em negócios e até então atuava como gerente de produto da Daimler, conta que sempre teve interesse em novas tecnologias. “Estou o tempo todo atuando entre esses dois mundos”, diz. A motivação essencial para um empreendedor interno, conta, é ter apoio e segurança para poder errar ou até celebrar fracassos, desde que eles sirvam de aprendizado. “Se a minha startup não der certo, eu posso voltar para a minha posição. Não preciso ter medo de não ter mais emprego”, afirma.
A ascensão desse perfil ‘tradutor’ é um sinal de que não é preciso mergulhar no mundo do 5G e dominar aspectos técnicos como um engenheiro de telecomunicações, mas conseguir visualizar todas as possibilidades que essa nova era traz para os negócios. “O acesso aos dados não traz valor para a companhia. É preciso discernimento para transformá-los em ações e decisões de negócios. De certa maneira, é preciso desenvolver uma lógica de software nas pessoas”, afirma Russ Edwards, diretor da Award Solutions, empresa que promove treinamentos em 5G, automação e dados. A companhia, que também oferece formações técnicas para engenheiros, vem notando um grande interesse por parte de altos executivos em entender os conceitos básicos e a aplicabilidade dessas novas tecnologias.
Ele explica que a transformação digital pode acontecer de cima para baixo, partindo de uma decisão da liderança em reinventar o negócio, mas que as transformações realmente ‘disruptivas’ partem dos cargos mais operacionais, no momento em que os funcionários passam a questionar atividades repetitivas e redundantes. “Muitos já percebem que algumas de suas atividades poderiam ser automatizadas e realizadas por softwares, enquanto anseiam por se dedicar a funções mais estratégicas”, diz.
Boa parte deles, porém, ainda lida com o medo de ser substituído pela automação, o que pode prejudicar tanto negócios como carreiras. “Na prática, o profissional que teme a inovação é o que está mais ameaçado de perder o seu posto”, explica.

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