Mundo busca alternativas ao ‘chão de fábrica’ da China

Há trinta anos, a empresa americana de vestuário Levi Strauss & Co. começou a produzir seu icônico jeans na China, ansiosa para aproveitar a aparentemente inesgotável fonte de trabalhadores dispostos a cerzir por alguns centavos a hora. Agora, essa fonte está começando a secar.

Nas próximas décadas, uma escassez de mão de obra irá forçar a Levi’s e muitas outras empresas ocidentais a reformular suas operações na China ou deixar o país. As mudanças irão marcar um novo capítulo na história da globalização, onde a automação será dominante, a proximidade do mercado consumidor será vital e as vidas de trabalhadores e consumidores em todo o mundo serão novamente reordenadas, como mostrou material do The Wall Street Journal, assinada por Kathy Chu e Bob Davis, publicada no Valor de 26/11, pg B14.

Sinais dessa mudança já são visíveis. Numa fábrica de roupas em Zhongshan, uma pujante cidade chinesa de três milhões de habitantes separada de Hong Kong pelo Rio das Pérolas, lasers estão substituindo dezenas de trabalhadores que esfregavam o jeans azul da Levi’s com lixas para dar a ele a aparência de usado que agrada consumidores do mundo todo. Máquinas de costura automáticas reduziram o número de costureiras necessárias para produzir os designs em forma de arco nos bolsos traseiros. Impressoras digitais fazem padrões intrincados em jeans que antes eram feitos manualmente.

“A mão de obra está ficando mais cara e a tecnologia mais barata”, diz Andrew Lo, diretor- presidente da Crystal Group, um dos maiores fornecedores da Levi’s na China.
Embora a desaceleração econômica da China esteja atenuando os efeitos da escassez de mão de obra, a fábrica de jeans da Crystal ainda paga salários 20% acima do mercado.

A China aboliu sua política do filho único em outubro. Mas isso não deverá mudar o crescente problema demográfico do país porque relativamente poucos chineses preferem ter mais de um filho, dizem economistas – e serão necessários pelo menos 16 anos para uma criança de hoje entrar no mercado de trabalho.
Temendo um êxodo de fabricantes na China, o líder do Partido Comunista e presidente, Xi Jinping, conclamou uma “revolução industrial de robôs” no país, que se tornou o maior mercado de automação do mundo. Olhando para 2050, o futuro parece confuso para consumidores de todo o mundo.

A produção de baixo custo da China ajudou a limitar a inflação nos Estados Unidos, Europa e na própria economia local. Há dúvidas sobre se a automação manterá os preços baixos da mesma forma que a mão de obra barata chinesa. Mas os consumidores terão mais opções, entrega mais rápida e, talvez, menos danos ao ambiente.

Alguns tecnólogos acreditam que invenções como a impressão em 3-D terão um grande impacto em 2050. No futuro, as impressoras poderão expelir roupas, alimentos, eletrônicos e outros produtos encomendados on-line em opções quase ilimitadas, com um número muito menor de trabalhadores envolvidos na produção. “Em 2050, você poderá ter uma impressora 3-D em casa que poderá produzir todos os tecidos que você quiser”, diz Roger Lee, diretor-presidente da fabricante de roupas TAL Group, de Hong Kong. “Isso nos tornaria obsoletos.”

O fim da mão de obra muito barata na China está dando um empurrão nesses avanços tecnológicos, que diminuirão a importância do país para a manufatura global. Mas a mudança nos gostos dos consumidores – possibilitada pela mesma evolução tecnológica – também está reduzindo o papel da China.

A demanda do consumidor por bens customizados está em alta, sejam remédios direcionados a determinados genes ou cervejas artesanais produzidas para determinados gostos. Essa tendência torna a distância do mercado uma desvantagem crescente, principalmente quando se trata de encomendar quantidades enormes de produtos da China e esperar um mês para a entrega. As fábricas ficarão menores, mais dispersas e mais próximas dos clientes, onde quer que estes estejam.

“Logística, impostos e marketing podem ficar mais caros do que a mão de obra”, diz Gary Hufbauer, especialista em comércio do instituto Peterson de Economia Internacional. “Tudo isso deixaria a China menos atraente.”
A Levi’s começou a migrar sua produção para a China em 1986. Nos últimos anos, a empresa, que tem o capital fechado, reformulou sua cadeia de suprimento para cortar custos e dar impulso ao negócio. “Estamos indo na direção da agilidade”, diz Liz O’Neill, diretora de desenvolvimento de produto da Levi’s. “O verdadeiro dinheiro está em ter o produto certo diante do consumidor na hora certa.”

A ascensão da China à posição de segunda maior economia do mundo se valeu de um aumento na população economicamente ativa, que ganhou 380 milhões de pessoas entre 1980 e 2015. As exportações chinesas cresceram cerca de 6.700% entre 1980 e 2007, quando a China ultrapassou os EUA como o maior exportador mundial. Em 2002, o custo da mão de obra por trabalhador/ hora na China era de apenas US$ 0,60, segundo o centro de pesquisas Conference Board.

Mas a população ativa chinesa atingiu seu pico recentemente, e o chamado dividendo demográfico começou a se transformar em um entrave. Em 2050, a população ativa terá declinado em 212 milhões de pessoas, estima a Organização das Nações Unidas.

Os salários e benefícios já vêm subindo a uma taxa percentual de dois dígitos nos últimos dez anos.
Agravando a escassez de mão de obra, muitos operários serão atraídos de volta para suas cidades de origem para cuidar do número crescente de chineses com mais de 60 anos, uma parcela da população que deve dobrar até 2050, para 36,5%.

O custo de mão de obra na costa da China, ajustado pela produtividade, já está em US$ 14,60 por hora, ante US$ 22,68 nos EUA, segundo o Boston Consulting Group, o que reduz a competitividade chinesa. Somados os custos de energia, a China tem hoje uma produção mais cara que a Indonésia, Tailândia, México e Índia, afirma o BCG.

Isso não significa que a Levi’s irá sair da China abruptamente. A empresa faz negócio com cerca de 200 fábricas chinesas, cinco vezes mais que em qualquer outro país. A Levi’s está adaptando sua tecnologia a laser para poder usar menos tecidos. Nos últimos três anos, a empresa afirma ter reduzido seu número de fornecedores em 40% e a quantidade de tecidos em 50%.

A Levi’s enfrenta outros desafios ao produzir na China: os produtos demoram 30 dias para chegar a Hebron, no Estado americano de Kentucky, onde ela tem um grande centro de distribuição. Isso é tempo suficiente para a Levi’s perder mudanças nas tendências de moda e ficar com estoques indesejados.

A firma já está testando a produção local. Quando uma linha de jeans mais apertados feita na China tornou-se um sucesso na Europa, ela usou fábricas na Polônia e na Turquia para cobrir a demanda inesperada e cortar o tempo de espera, diz O’Neill.

A Levi’s usou fábricas no México para produzir alguns dos seus jeans femininos mais badalados, como aqueles com remendos. O México fica a apenas quatro dias de caminhão do centro de distribuição em Kentucky.

A mexicana Apparel International, uma grande fabricante de jeans sediada em Torreón, está contando com o encolhimento da população ativa da China. Quinze anos atrás, a empresa cortou em 50% sua equipe de 6 mil funcionários porque não podia competir com os chineses. Agora, ela está se modernizando agressivamente. Um excesso de mão de obra tem ajudado a Apparel a manter os aumentos de salários entre 2% e 3% nos últimos anos, diz Oscar González, o diretorsuperintendente. “Toda segunda, quando contratamos”, diz, “há longas filas de candidatos”.

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