‘Morte’ de robôs suscita dúvidas sobre destino do lar digital

Kuri, um adorável robô que se comunicava por meio de “bips” como R2-D2, faleceu no mês passado: a Mayfield Robotics, uma unidade da Bosch, matou o projeto justamente quando as primeiras máquinas estavam para ser despachadas.
Jibo, que foi apresentado como “o primeiro robô sociável para o lar”, também pode não ter muito mais tempo de vida. A companhia por trás do dispositivo demitiu a maioria de seus funcionários e reduziu os preços quase à metade enquanto tenta levantar mais dinheiro para “buscar uma saída”, como mostrou artigo do Financial Times, assinado por Richard Waters, publicado no Valor de 13/08.
Os problemas de duas das mais destacadas tentativas de incorporar os robôs ao cotidiano das pessoas criaram um sentimento de luto no mundo da robótica. “Todo mundo está desapontado”, diz Ken Goldberg, professor da Universidade da Califórnia em Berkeley.
Mas, segundo o acadêmico, os fracassos não são nenhuma novidade. Os insucessos datam pelo menos do BOB, um robô doméstico da década de 80 criado por Nolan Bushnell, fundador da Atari. As supostas habilidades da máquina deveriam incluir pegar uma cerveja na geladeira para seu dono.
“Isso nos foi prometido há 50 anos e achávamos que já era hora”, diz Goldberg. “É frustrante.”
Contribuindo para o recuo dos robôs, a Honda acaba de “desplugar” o Asimo. A máquina humanoide é um dos mais reconhecidos resultados da competência do Japão na área de robótica, mas jamais deixou de ser um projeto de pesquisa para se transformar em um produto real.
Se há uma coisa que une os fracassos recentes com os robôs voltados para o lar é seu apelo limitado enquanto produto de consumo. “Acho que eles não encontraram nenhum uso convincente”, diz Henny Admoni, professora assistente de robótica da Universidade Carnegie Mellon. Os reveses mostram, mais uma vez, o grande abismo existente entre as expectativas criadas pela ficção científica e a tecnologia mais limitada de hoje.
Mas enquanto robôs como Kuri e Jibo são abandonados no meio do caminho, uma invasão robótica menos visível começa a levar agentes inteligentes para um número maior de lares.
Essa incursão envolve máquinas que muitas vezes não são consideradas robôs e que estão se infiltrando nas casas das pessoas por caminhos diferentes. Especialistas preveem que algumas delas poderão se transformar nos precursores de uma onda de ajudantes e companheiros artificiais mais sofisticados.
É o caso dos aspiradores de pó robóticos. Vários especialistas indicam a iRobot, fabricante do Roomba, como líder incontestável no esforço de fazer os robôs serem aceitos em casa, com mais de 20 milhões de aparelhos vendidos. Originalmente um aspirador que esbarrava nos móveis enquanto tateava por um caminho traçado aleatoriamente, o Roomba evoluiu para um dispositivo mais inteligente, com novas tecnologias sendo adicionadas para ajudar alguns modelos a navegar pela casa visualmente e a fazer um mapa de seus ambientes.
A expectativa é que máquinas simples e práticas como essa ganhem a companhia de uma nova geração de dispositivos mais hábeis, graças a inovações como as que estão surgindo nos laboratórios, diz Goldberg. As novidades incluem os “garras universais” – mãos robóticas capazes de pegar itens desconhecidos – e inteligência artificial que ajuda máquinas a reconhecer objetos.
Goldberg prevê que, juntas, essas tecnologias poderão ser usadas para criar um robô capaz de “patrulhar a casa e guardar coisas”. Mas isso não ocorrerá rapidamente. E um ajudante artificial que cuide das crianças provavelmente não estará disponível antes de cinco a dez anos, com preço entre US$ 2 mil e US$ 3 mil, estima o especialista.
Caixas de som inteligentes como as da Amazon e do Google estão na vanguarda dos ‘robôs sociais’
Uma segunda dimensão da invasão doméstica é a das caixas de som inteligentes como a Echo, da Amazon, e a Google Home. Um cilindro imóvel cinza ou branco não se encaixa na definição mais aceita de um robô. Mas usar a palavra falada para se comunicar com uma máquina coloca esses dispositivos na vanguarda dos “robôs sociais” – máquinas que tentam invocar atitudes humanas para criar interações mais “naturais” com as pessoas.
O Jibo, por exemplo, foi projetado para reconhecer os humanos ao seu redor e personalizar suas interações com eles, usando uma “cabeça” giratória e um grande olho animado. Com preço fixado em US$ 899, o produto vem tendo dificuldade para se distinguir de caixas acústicas inteligentes mais simples, algumas delas vendidos a menos de US$ 50.
Mas as novas caixas acústicas estabeleceram a base para a próxima etapa da robótica doméstica, afirma Henny. Muita gente já está acostumada à ideia de conversar com uma máquina e responder instintivamente a um objeto físico que parece inteligente, acrescenta a professora. “Há algo muito cativante em ter um agente personificado que está lá, especialmente se ele segue você pela casa”, afirma.
Há relatos de que a Amazon está desenvolvendo um robô doméstico, aumentando a perspectiva de uma geração de dispositivos Echo que vão abandonar seus lugares no balcão da cozinha e se movimentarão pela casa.
Uma terceira rota para o lar está nos brinquedos e animais de estimação artificiais. Neste ano, a Sony relançou seu cachorro-robô Aibo, após uma ausência de 12 anos. E na semana passada, a Anki – uma das mais bem financiadas startups da área de robótica nos EUA, com US$ 200 milhões – anunciou seu mais recente brinquedo-robô: um caminhão do tipo escavadeira com pouco mais de 10 centímetros, chamado Vector.
Evitar a forma humanoide é uma maneira de desviar-se de expectativas não realistas. Mas não há nada de simples em alguns desses brinquedos autônomos, que agrupam tecnologias importantes em pequenos pacotes.
Um software de inteligência artificial permite ao Vector reconhecer rostos ao mesmo tempo em que o brinquedo se conecta à nuvem computacional para reconhecer vozes. O Vector pode percorrer o tampo de uma mesa, mapeando seu território e testando objetos em seu caminho para descobrir se eles podem ser movidos.
Esses dispositivos ainda têm um uso prático limitado. O Vector não consegue fazer muito mais além de agir como um “timer” de cozinha e fornecer a previsão do tempo. Mas o aparelho leva a interação lúdica a um novo patamar ao emitir os nomes das pessoas que vê e responder com batidas e trepidações, como um personagem de desenho animado em 3D.
Encontrar o pacote certo é a chave para a venda de robôs, diz Hanns Tappeiner, presidente da Anki. “É preciso que seja um produto que funciona por si só”, diz. Ele contraste, afirma o executivo, muitos fabricantes de robôs miraram alto demais ao projetar robôs que estão 15 anos ou mais à frente de seu tempo, em um convite à decepção.
O próximo item na lista da Anki, previsto para 2020, é um robô maior que acompanhará seu dono pela casa. A empresa está se preparando para resolver alguns problemas difíceis formulados pela inteligência artificial, como tentar ensinar seus robôs a interpretar e responder a um cenário inteiro, e não apenas a rostos e vozes individuais.
À medida que algumas dessas inovações em robótica alcançarem a maturidade e as máquinas estiverem prontas para as próximas mudanças em suas habilidades, há o sério perigo de que uma “bolha robótica” venha a ocorrer, alerta Goldberg. Mas depois dos problemas do Kuri e do Jibo, esse não parece ser um risco imediato.

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