‘Moda rápida’ alimenta rede global de reciclagem de roupas

Enquanto montanhas de roupas descartadas vindas dos Estados Unidos caem numa esteira rolante, filas de mulheres vestidas com o tradicional sári indiano separaram freneticamente as peças de acordo com o tipo – camisetas em um contêiner, jeans femininos em outro. Há moletons, roupa íntima, blusões, casacos e até peles.

Essa profusão é parte das milhares de toneladas de roupas usadas que chegam mensalmente ao porto de Kandla, na costa oeste da Índia, um centro na vasta rede global que compra roupas de segunda mão em países ricos e as revende nos mercados em desenvolvimento, como mostrou artigo do The Wall Street Journal, assinado por Eric Bellman, publicado no Valor de 28/06

“Não entendo por que as pessoas jogam fora todas essas roupas”, diz uma das separadoras, sentada no chão de um armazém durante um intervalo no trabalho. “Talvez elas não tenham tempo de lavá-las.”

Na verdade, o excesso de roupa é resultado do crescimento da chamada moda rápida, que inundou o mundo com vestuário barato, frequentemente produzido nos mesmos países de salários baixos para onde as roupas acabam voltando. Lá, elas são vendidas em mercados populares ou reprocessadas em produtos como cobertores ou enchimento de travesseiros.

Para alguns, este é um círculo virtuoso, que minimiza o desperdício, ao mesmo tempo em que cria empregos e uma fonte de roupa barata para os pobres. Mesmo varejistas como a sueca Hennes & Mauritz AB e outras já coletam roupas usadas para reciclar. Desde que começou a fazer isso em suas lojas, em 2013, a H&M já reciclou mais de 20 mil toneladas de vestuário.

“Os EUA não precisam encher seus aterros [de lixo] quando há um uso melhor para isso”, diz Jaideep Sajdeh, diretor- gerente da Texool, uma processadora de roupas de Kandla.

Mas alguns fabricantes de roupas nos mercados emergentes dizem que a oferta sem fim de vestuário afeta o crescimento da indústria têxtil local. A Índia permite o processamento e a reexportação de roupas usadas, mas proíbe sua venda no mercado doméstico, assim como muitos países preocupados com o impacto do crescimento do comércio de roupas usadas.

Tais proibições, combinadas com a desaceleração econômica em partes da África, prejudicaram a demanda. Mas as roupas continuam chegando. A maioria dos itens é depositada em cestos de doações no Ocidente e, depois, vendida por associações de caridade a intermediários.

Milhares de pessoas trabalham na zona econômica especial de Kandla, separando toneladas de peças, de lençóis e meias a bonés de baseball, no início de uma cadeia de processamento que busca extrair cada centavo possível daquele fluxo têxtil. “Nada é desperdiçado”, diz Guvinder Toor, diretor-gerente da U.S. Clothing (India) Pvt. Ltd., processadora e exportadora de roupas usadas da Índia.

Primeiro, empresários pagam às empresas de processamento pelo direito de vasculhar as pilhas de roupas em busca de moedas, relógios e outros itens de valor.

Esses trabalhadores, que ganham cerca de US$ 5 por dia – um salário acima da média na Índia -, separam as roupas em 200 categorias diferentes para a revenda. Algumas empresas têm equipes que analisam as pilhas de roupas em busca de itens de alta costura – com o auxílio de pôsteres para ajudá-los a reconhecer itens de grifes como Giorgio Armani, Hermès e Prada.

O processo de separação tem várias etapas. Equipes de empregados removem as roupas manchadas, rasgadas ou – como é o caso dos embarques dos EUA – que simplesmente sejam grandes demais para revender. Calças de homens que superam 100 cm na cintura são vendidas para reprocessamento. Para as mulheres, o limite é 80 cm.

“Os tamanhos americanos são grandes demais e ninguém pode usá-los”, diz Bhavesh Mishra, gerente da U.S. Clothing. “Noventa por cento do que exportamos é para a África e eles não pedem esses números.”

Somente cerca de 30% das roupas que chegam são boas para a revenda, dizem executivos do setor. O resto é desmontado. Botões, zíperes e fechos são reaproveitados. O tecido é cortado em trapos para serem usados em fábricas e oficinas. Partes que não servem nem para serem usadas como trapos são transformadas em fibras, que são tratadas para a produção de fios. O fio, por sua vez, é usado na fabricação de cobertores baratos para organizações de ajuda humanitária.

Há sinais de que esse sistema de reciclagem global está começando a enfrentar dificuldades. Os preços baixos do petróleo e a desaceleração da demanda chinesa tornaram cobertores novos de acrílico mais baratos do que os feitos com material reciclado.

O custo da roupa usada caiu entre 30% e 50% em relação ao ano passado, diz Sajdeh, da Texool. Estoques estão aumentando de Kandla ao Canadá e algumas empresas de reciclagem fecharam as portas no Reino Unido e outros lugares, diz Alan Wheeler, diretor da Associação de Reciclagem de Tecidos do Reino Unido. “Há uma necessidade óbvia de novos mercados para o crescimento da reciclagem”, diz ele.

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