Microsoft, agora, ajuda máquina a ‘pensar’

A inteligência artificial (IA) sempre foi matéria-prima farta para a ficção científica e suas especulações, como saber até que ponto os robôs vão substituir a mão de obra humana ou se as máquinas podem aprender a ter sentimentos. Para a Microsoft, porém, esse ramo da ciência não deveria ser sinônimo de inquietação, nem um exercício de futurologia.

A companhia conhecida pelo Windows e o Office, e que mais recentemente redirecionou sua atenção para os serviços via internet, está, agora, investindo em recursos que ajudam a máquina a “pensar”. E o Brasil está no mapa de desenvolvimento desses sistemas. “A IA é um fato e nossa missão é democratizar seu acesso”, diz Paula Bellizia, presidente da Microsoft no país.

A investida mais conhecida da empresa na área é a assistente pessoal Cortana, disponível em português no sistema operacional Windows 10. Criada há dois anos, a Cortana já reúne 133 milhões de usuários no mundo e recebeu, desde seu lançamento, mais de 12 bilhões de perguntas, como mostrou matéria do Valor publicada em 7/12.

De frente para seu notebook, Paula faz perguntas à Cortana, usando comandos de voz: quer saber a temperatura na cidade de Tiradentes (MG), para onde voaria pouco depois; pede para ver os compromissos do dia, e manda calcular quanto tempo levaria para se deslocar no trânsito até seu próximo compromisso. A conexão com diferentes aplicativos permite à assistente robótica dar as respostas rapidamente.

O interesse da Microsoft na IA, porém, vai muito além disso. Nos Estados Unidos, a empresa criou um sistema para ajudar o Uber a evitar fraudes e dar mais segurança aos clientes. Ao atender a uma chamada, o motorista tira uma “selfie”, que é comparada à imagem que já existe no cadastro do Uber, em tempo real. O objetivo é comprovar que o motorista é quem, de fato, ele diz ser. Outro projeto, com a Volvo, está levando recursos de IA para os carros da montadora sueca. Um sistema de câmeras “lê” a face do condutor do veículo e, se perceber indícios de desatenção, como alguém que pisca muito ou esquece a sinalização, emite um aviso de segurança.

Como a Microsoft, gigantes do porte da IBM, do Google e da Amazon estão avançando na inteligência artificial, acompanhadas de uma infinidade de startups. A razão é que os softwares de análise disponíveis atualmente já não são capazes de extrair todas as informações necessárias da gigantesca base de dados que se acumula entre empresas, governos e indivíduos – o chamado Big Data. Muitos desses dados não estão organizados, como as fotos armazenadas no Instagram ou os vídeos disponíveis pelo YouTube. Avaliar tudo isso e fazer as correlações necessárias em tempo hábil exige sistemas “que pensam”, daí o papel crescente da IA.

Um dos projetos internacionais de inteligência artificial mais importantes da companhia é uma parceria com o Hospital 9 de Julho, em São Paulo. Desenvolvido no Laboratório de Tecnologia Avançada da Microsoft no Rio de Janeiro, aberto em 2012, o sistema monitora os pacientes por meio de sensores inteligentes que captam movimentos fora do padrão. Com isso, pode prever situações como a iminência de alguém cair do leito, um problema sério nos hospitais brasileiros, e emitir alertas de segurança. O plano é ampliar o uso do sistema, levando a tecnologia inclusive para o exterior.

A Microsoft também tem estimulado a criação de chatbots que usam serviços cognitivos. Chatbots são programas que simulam ser uma pessoa real durante uma conversa. Primeiro, o usuário faz uma pergunta. Então, a fala é convertida em texto para que a máquina possa “identificar” as intenções do que foi registrado. Dependendo das palavras empregadas, o chatbot sabe, por exemplo, se tem de exibir a projeção de vendas do ano – uma estimativa, portanto – ou o volume de produtos vendidos em um determinado período, algo que já ocorreu.

Prever comportamentos é uma área na qual a IA tem despertado especial atenção. No Brasil, a Microsoft criou um modelo capaz de antecipar o IGP-M, o índice que registra a inflação de preços e cuja aplicação vai de contratos de aluguel ao reajuste de tarifas públicas. Foi só um protótipo, mas teve uma taxa de acerto de 84%, afirma Alessandro Jannuzzi, gerente de inovação e novas tecnologias da companhia.

Para evitar um gargalo perigoso – a falta de programadores – a Microsoft estabeleceu uma rede aberta e on-line na qual muitos modelos necessários para criar um algoritmo estão prontos. Batizada de Cortana Intelligence Gallery, funciona como uma biblioteca de projetos, na qual cada programador pode entrar e compartilhar suas próprias criações. “Já temos mais de 50 mil desenvolvedores no mundo”, diz Paula.

Com os projetos compartilhados, fica mais fácil para as empresas criarem aplicações de IA sob medida. “Você não precisa mais de um cientista de dados para fazer esse trabalho”, afirma a executiva. Para comprovar a tese, a Microsoft promoveu um concurso de criação de algoritmos entre estagiários. Uma dos resultados mais bem-sucedidos foi um aplicativo de classificação de fotos. O usuário pede, por exemplo, todas as fotos nas quais aparece numa praia. O sistema “entende” os requisitos, faz a busca e separa as imagens, sem a necessidade de uma indexação prévia.

Do ponto de vista comercial, a inteligência artificial reforça os negócios da Microsoft na nuvem – o modelo pelo qual softwares e dados ficam em centros de dados e são acessados pelo cliente via internet. Para usar ou hospedar os recursos de IA, as empresas podem usar o Azure, o serviço de computação em nuvem da companhia, que está em rápido crescimento.

No 1o trimestre fiscal de 2017, encerrado em 30 de setembro, a receita da unidade de nuvem inteligente, na qual está o Azure, cresceu 8%, para US$ 6,4 bilhões, enquanto a divisão que inclui o Windows teve queda de 2%, para US$ 9,3 bilhões. “Só nos últimos 12 meses, lançamos 600 serviços novos no Azure”, diz Paula.

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