México ganha mercado com a disputa EUA­China

Emilio Isais, da Gonher, uma companhia mexicana de autopeças, só tem a agradecer a Donald Trump pelas reuniões com empresas americanas que ele terá nesta semana. A tensão comercial dos EUA com a China poderá render negócios valiosos para ele.
“Algumas empresas americanas, grandes produtores, estão pensando em transferir a produção da China para o México”, afirma Isais, diretor-executivo da fábrica de filtros da Gonher. “Poderemos ter algumas oportunidades aí. Não fabricamos na China – estamos tentando conseguir alguns negócios a mais.”
Sua companhia é apenas uma das indústrias mexicanas que estão aproveitando a oportunidade para aumentar as suas exportações para os EUA, graças à intensificação da guerra de tarifas entre Washington e Pequim.
O valor das importações dos EUA provenientes do México superou o das vindas da China em março pela primeira vez, e o México está ganhando participação no mercado americano, enquanto a da China encolhe. Nos últimos meses, o México promoveu cuidadosamente seu comércio com a América do Norte, evitando contrariar seu vizinho ao norte e principal parceiro comercial.
Mas nem todas os setores no México estão sendo bem-sucedidos.
Recentemente os EUA impuseram tarifa de 17,5% sobre tomates mexicanos. O setor industrial, porém, está sendo beneficiado.
“Sem dúvida os ataques dos EUA à China representam uma oportunidade para o México”, diz Ken Smith Ramos, principal negociador mexicano no pacto comercial USMCA, firmado no ano passado para atualizar o Acordo de Livre Comércio da América do Norte (Nafta), de 25 anos, e que está em fase de ratificação pelos países.
Exportadores de filtros para motores, como a Gonher, estão entre os principais beneficiados da disputa EUA-China, em que os dois lados impuseram tarifas de até 25% sobre importantes itens importados. A participação de mercado nos EUA das empresas mexicanas de filtros de motores cresceu 15,8 pontos percentuais em março, em comparação a fevereiro, enquanto seus concorrentes chineses perderam 9,3 pontos, segundo dados da consultoria mexicana De la Calle Madrazo Mancera (CMM).
Outros beneficiados incluem exportadores de caixas registradoras, rádios para automóveis e unidades de ar-condicionado para automóveis. Luis de la Calle, diretor-gerente da CMM, um veterano negociador comercial mexicano, disse que esses ganhos são “consequências não intencionais” do conflito de Trump com a China. “Notamos uma certa melhora, um pequeno aumento nas exportações”, diz Isais. “Nossos clientes aumentaram alguns pedidos.”
O México, cuja economia ficou bastante integrada à dos EUA sob o Nafta, deverá se beneficiar de três maneiras dos atritos sino-americanos. “Você pode substituir a China nos EUA e os EUA na China – se olhar para os números dos últimos três meses, isso já aparece”, diz De la Calle.
Além disso, acrescenta, as empresas chinesas e de outros países asiáticos também poderão usar o México como plataforma de exportação para os EUA. Mesmo que não cumpram com as regras de origem exigidas para a exportação livre de impostos prevista no Nafta, as empresas chinesas que exportarem a partir do México pagarão tarifas bem menores que a punitiva taxa de 25% que enfrentam exportando a partir da China.
Luis Enrique Zavala, diretor-geral da Associação Nacional dos Importadores e Exportadores mexicana, diz que algumas empresas o procuraram para discutir como aproveitar o México para isso. Elas incluem fabricantes de brinquedos plásticos, perfumes, produtos têxteis e
eletrônicos, que pensam na possibilidade de distribuir para os mercados americano e latino-americanos a partir do México. Em alguns casos, isso envolve “redirecionar os negócios dentro da mesma companhia”, afirma.
A confederação nacional das câmaras de comércio do México, Concanaco-Servytur, também recebeu consultas envolvendo autopeças, veículos elétricos, produtos eletrônicos e componentes de telefones móveis, segundo seu presidente, José Manuel López Campos. “Eles [as empresas americanas] temem que as tarifas continuem subindo e estão dizendo aos fornecedores na China para que aumentem as exportações para o México”, diz Zavala.
Embora Trump tenha resolvido recentemente uma disputa comercial separada com o México e o Canadá, envolvendo o aço e o alumínio, e tenha adiado a ameaça de impor tarifas sobre o setor automobilístico, “essa ameaça [de sobretaxar os automóveis] ainda existe”, acrescenta ele.
Além disso, Rogelio Ramírez de la O, um economista independente, diz que o Congresso dos EUA “está mais ou menos unido em torno da questão da China… Isso significa que as empresas que foram para a China para investir e, em alguns casos, produzir na China para revender nos EUA, agora precisam dar muita atenção ao fato de que isso se transformou numa política de Estado nos EUA e assim permanecerá”.
Substituir as exportações dos EUA para a China é uma possibilidade mais complicada, mas as exportações de carne para a Ásia estão em alta. As vendas de carne bovina para Hong Kong cresceram 40% em 2018, segundo o Conselho Mexicano da Carne.
Empresas e economistas admitem que esse processo ainda está no começo. “Não tenho ouvido ainda que há uma movimentação maciça em direção ao México, mas o México é um beneficiário natural”, diz Ramírez de la O.
Mas Isais da Gonher, já adota uma visão de prazo mais longo. “Não sabemos se isso vai acabar logo. Mas se Trump for reeleito, pode continuar.”

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