Índia encerra eleição marcada pelo uso maciço do WhatsApp

Na gigantesca eleição geral da Índia, com cerca de 900 milhões de eleitores e que acaba neste domingo, o partido do premiê indiano, Narendra Modi, o Bharatiya Janata (BJP), está usando o WhatsApp para fazer uma das campanhas políticas digitais mais sofisticadas do mundo, contando com um enorme exército de voluntários.
A proliferação de smartphones aumentou significativamente o acesso à internet na Índia. Mais de 300 milhões de indianos estão agora no WhatsApp, o que torna o país, de longe, o maior mercado do aplicativo. O WhatsApp se tornou a arena central da eleição na Índia, que começou em 11 de abril.
O pleito indiano segue-se à desagregadora eleição no Brasil, da qual o candidato da extrema-direita, Jair Bolsonaro, saiu vencedor – ajudado, em parte, por uma onda de boatos tóxicos e de desinformação, boa parte dos quais disseminados por meio do WhatsApp.
A Índia é o mais novo teste da capacidade do aplicativo de mensagens de moldar uma eleição, agora na maior democracia global.
Para cada defensor que diz que o aplicativo ajudou a unir famílias e amigos com uma ferramenta de comunicação barata, há o mesmo contingente de críticos que temem que ele tenha se tornado um canal de divulgação de notícias falsas impossível de monitorar.
“O WhatsApp é a câmara de ressonância de todas as mentiras deslavadas, notícias falsas e besteiras na Índia, é um esgoto tóxico”, diz Palanivel Thiagarajan, político e diretor do departamento de informática do DMK – partido regional do Estado de Tamil Nadu, que disputa as eleições contra o BJP.
O aplicativo, que tem 1,5 bilhão de usuários no mundo, é mais popular fora dos EUA, em países em que sua controladora, o Facebook, espera ter novos fluxos de receita.
Claire Wardle, pesquisadora da Universidade Harvard e cofundadora do grupo sem fins lucrativos First Draft, voltado para a detecção da desinformação nas redes sociais, diz que o WhatsApp deslanchou com a explosão de usuários de smartphones em países como Brasil, Nigéria e Índia, onde virou a “principal fonte de informação”.
“Essas dívidas sobre o seu papel na disseminação de desinformação não têm só a ver com as eleições”, diz ela. “Têm a ver com o papel do WhatsApp nas sociedades.”
Nos últimos anos, foi o Facebook que atraiu a maior parte das críticas sobre propagação de notícias falsas e manipulação eleitoral. Mas é o WhatsApp, adquirido em 2016 pelo Facebook por US$ 22 bilhões, que se tornou a plataforma preferida, não só na Índia e no Brasil como também em partes da Europa, como Espanha e Reino Unido.
“Nos últimos doze meses, mais ou menos, observamos uma migração dos feeds de notícias no Facebook para canais mais
privados, como o WhatsApp e o Messenger, especialmente em lugares como o Brasil “, diz Claire. Seu sistema de criptografia leva a concluir que as conversas pelo WhatsApp são inacessíveis mesmo para a própria empresa
que o opera, dizem executivos. Mas isso o tornou mais vulnerável ao uso indevido, principalmente em eleições, dizem os críticos, que acusam aplicativo de ter se tornado uma plataforma de disseminação de desinformação política.
Na Índia, o BJP é o mais ativo entre os principais partidos no uso do WhatsApp para ganhar votos. “Tenho tentado chegar a todas as famílias por meio do WhatsApp”, diz Punit Agarwal, coordenador de redes sociais do BJP em Déli.
Agarwal diz que o partido tem 74 mil voluntários encarregados de difundir sua mensagem pelo WhatsApp. “Havia um público limitado da última vez”, diz. “Desta vez, temos um público enorme.”
O WhatsApp se tornou a plataforma preferida dos políticos não só devido ao seu enorme alcance, que extrapola a base de eleitores fiéis de um partido, mas também devido à falta de vigilância. Mensagens encaminhadas por meio do sistema não têm informações sobre seu local de origem, mas se beneficiam da confiança instilada pelo fato de virem de um contato.
Agarwal nega que o BJP esteja disseminando conteúdo polarizador, mas dados do WhatsApp reunidos por analistas, além de provas factuais, mostram que os indianos estão sendo inundados por memes de propaganda, boa parte antimuçulmana e crítica ao Partido do Congresso, de oposição.
Kiran Garimella, pesquisador do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), que está estudando a desinformação na Índia, analisou mais de 5 milhões de mensagens de WhatsApp postadas em 5.000 grupos públicos nos últimos cinco meses, envolvendo aproximadamente 1 milhão de pessoas.
“Observamos que ela é focada especificamente em desinformação sutil, baseada em imagens”, diz Garimella. As principais imagens compartilhadas acusavam o líder do Partido do Congresso, Rahul Gandhi, de ser “um falso hindu” e inventavam uma ligação dele com Vijay Mallya – empresário bilionário que fugiu da Índia.
Por pressão do governo indiano, o WhatsApp contratou executivos e adotou medidas para dificultar o compartilhamento, limitando o número de destinatários de uma mensagem encaminhada e reduzindo o tamanho dos grupos.
Essas medidas tiveram impacto limitado, segundo acadêmicos. “Vemos muitos casos em que a mesma mensagem foi enviada por vários grupos, mais de 20 grupos dentro de um intervalo de 10 segundos; isso significa que há uma pessoa ou um software enviando as mensagens”, diz Garimella.
O WhatsApp disse que gastou US$ 10 milhões na Índia para veicular uma campanha na mídia tradicional (TV, rádio e jornais) de esclarecimento público sobre os perigos da desinformação. “É ótimo que o WhatsApp… [esteja] fazendo campanhas e [adotando] outros mecanismos, mas receio que isso não alcance as pessoas que efetivamente o usam”, diz Aviv Ovadya, fundador do Thougtful Technology Project, na Califórnia.

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