Guerra comercial EUA­China espalha custos pelo mundo

O crescimento do comércio mundial desacelerou significativamente desde a escalada da disputa comercial entre Estados Unidos e China, em meados de 2018, e uma série de indicadores econômicos sugere que o conflito, que já dura um ano, está tendo efeito crescente sobre a economia mundial.
Negociadores das duas maiores economias do mundo se reuniram ontem, em Washington, num esforço para solucionar um impasse de última hora para tentar fechar um acordo comercial que evite a imposição de novas tarifas americanas a produtos chineses. As negociações continuam hoje.
Acumulam-se evidências de que as tarifas já adotadas, que até ontem afetavam mais de 50% do intercâmbio bilateral entre EUA e China, estejam reduzindo o comércio mundial, puxando para cima os preços pagos pelos consumidores americanos e freando os investimentos corporativos, num momento em que as empresas tentam reestruturar suas cadeias de suprimentos.
Os volumes do comércio de produtos cresceram apenas um pouco mais que a
produção mundial no ano passado, em grande medida devido à queda observada no quarto trimestre, de acordo com estimativas da Organização Mundial de Comércio (OMC).
A entidade prevê um desempenho igualmente fraco em 2019, um prognóstico que é respaldado por números publicados pelo Escritório de Análise Econômica da Holanda, que mostram uma queda de 1,1% nos volumes de comércio mundial em 12 meses até fevereiro.
A desaceleração mundial do comércio não se deve apenas às novas tarifas. Outros fatores – que vão desde o Brexit até a desaceleração da demanda interna da China – também tiveram influência. Mas o comércio entre os dois países protagonistas foi atingido com especial severidade.
As exportações ano a ano dos EUA para a China caíram 30%, no primeiro trimestre de 2019, e as exportações chinesas para os EUA recuaram 9% – e diminuíram 2,7% em abril, em comparação ao mesmo mês do ano passado, de acordo com dados divulgados ontem (leia texto abaixo).
A redução do comércio bilateral no primeiro trimestre totalizou cerca de US$ 25 bilhões, ou 0,5% do comércio mundial, embora esses números possam superestimar o impacto de mais longo prazo, já que algumas empresas se apressaram em fazer encomendas no fim do ano passado na tentativa de se antecipar a um eventual aumento de tarifas.
Na percepção do presidente dos EUA, Donald Trump, essa turbulência valeu a pena: os “ótimos resultados econômicos” dos EUA se deveriam, parcialmente, às punições impostas por ele aos produtos importados da China, afirma, com os custos tendo sido, em grande medida, assumidos pela China.
Mas, ao contrário do que afirma Trump, as tarifas americanas foram inteiramente custeadas pelos importadores e consumidores domésticos dos produtos chineses.
Pesquisadores da diretoria regional do Federal Reserve (Fed, o banco central dos EUA) de Nova York e das universidades de Princeton e de Columbia não encontraram provas de que exportadores estrangeiros tenham baixado os preços e concluíram que, mesmo que o governo dos EUA consiga fazer bom uso da receita adicional gerada pelas tarifas, o prejuízo causado à renda real americana alcançou US$ 1,4 bilhão por mês no fim de 2018, totalizando US$ 6,9 bilhões nos onze primeiros meses do ano passado.
Se os níveis atuais de tarifas continuarem em vigor, cerca de US$ 165 bilhões de comércio ao ano serão redirecionados a fim de evitá-las, estimaram os pesquisadores. Isso envolve pesados custos adicionais para as empresas.
Outro estudo, que tem entre seus autores a economista-chefe do Banco Mundial, Pinelopi Goldberg, estimou que o prejuízo anual agregado para a economia americana foi de US$ 7,8 bilhões, e observou que a proteção proporcionada pelas tarifas americanas se concentrou nos Estados do Cinturão da Ferrugem, eleitoralmente importantes para Trump, enquanto a retaliação estrangeira se voltou contra Estados agrícolas onde o apoio a Trump foi o mais forte em 2016.
No entanto, é pouco provável que as tarifas tenham um impacto de peso no total da economia de qualquer dos dois países. O efeito negativo foi suavizado nos EUA por cortes de impostos e por uma postura monetária mais expansionista; e, na China, por políticas de incentivos internos.
O impacto direto sobre o crescimento dos EUA tende a ser modesto, mesmo se Trump cumprir sua ameaça de elevar as tarifas ainda mais. O aumento das tarifas sobre US$ 200 bilhões em exportações chinesas, de 10% para 25%, “representaria um aumento de impostos de aproximadamente 0,5% do Produto Interno Bruto (PIB)… muito menor que a expansão fiscal de Trump”, de acordo com o economista Paul Krugman.
Já a China seria mais duramente atingida. Economistas do Barclays estimam que a tarifa de 25% sobre US$ 200 bilhões em exportações poderá reduzir o crescimento da China em 0,5 ponto percentual ao longo de doze meses, e em percentual equivalente adicional caso Trump cumpra sua ameaça de taxar mais US$ 325 bilhões em exportações.
A verdadeira receio econômica, porém, diz respeito às consequências que as políticas de Trump poderão ter sobre o grau de confiança dos agentes econômicos.
Economistas do ABN Amro dizem que a queda mundial da indústria no ano passado pode já ter refletido “os efeitos indiretos mais perniciosos” do conflito comercial sobre a confiança dos agentes econômicos e as condições financeiras – nesse caso, uma nova escalada de tarifas poderá ter consequências semelhantes, ao prolongar o mal-estar da indústria.
Chad Bown, professor-visitante-sênior do Instituto Peterson de Economia Internacional, disse que muitas empresas relutam em se comprometer com investimentos enquanto não tiverem uma noção mais clara dos propósitos da política americana.
Com a continuidade das tensões comerciais, há sinais de que o comportamento do comércio mundial começa a mudar, em reação.
Embora os parceiros comerciais regionais da China tenham compartilhado seus problemas – as exportações de Japão, Coreia do Sul, Tailândia e Vietnã para a China caíram verticalmente – esses países ao mesmo tempo aumentaram suas exportações para os EUA.
E, no final, podem estar em condições de se beneficiar da dispersão do comércio mundial. Os investimentos chineses e americanos nas economias emergentes asiáticas dispararam, segundo o Banco Asiático de Desenvolvimento, o que sugere que as empresas começam a deslocar a produção para outros países da região, a fim de escapar das tarifas à China.
Essa tendência deverá persistir. “Há um incentivo muito forte [para a China] descolar [seu comércio] dos EUA”, disse o economista Larry Brainard, da TS Lombard. “O que vimos até agora é a ponta do iceberg”.

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