Facebook terá drones para conectar áreas remotas. E sem ganhar nada?

O Facebook tem um plano para conectar o mundo inteiro à internet e não quer um centavo em troca, ao menos no discurso. Estranho: segundo a empresa, são 4,1 bilhões de pessoas desconectadas e 1,6 bilhão sem cobertura de banda larga móvel para as quais ela diz ter soluções. Mas o discurso é esse mesmo: não queremos dinheiro.

“Acho engraçado como as pessoas às vezes não te levam a sério”, disse Mark Zuckerberg diante de um auditório lotado em Barcelona. “Muitos acham que empresas não pensam em nada a não ser ganhar dinheiro. Eu criei o Facebook não como uma companhia. Queria conectar pessoas da minha universidade e percebi que uma empresa era a melhor forma de reunir gente em torno de um objetivo.”

Do lado de fora do Fira Gran Via, o centro de convenções catalão onde acontece o Mobile World Congress, um dos mais importantes eventos de tecnologia móvel do mundo, havia mesmo gente que não levava Zuckerberg a sério. Um trio animado por canções de Bob Dylan segurava uma placa a dizer: “Mark, você não vai resolver os problemas do mundo”, como mostrou matéria da Folha de 24/02, assinada por Bruno Scatena.

Em algum lugar secreto dos Estados Unidos, há um protótipo de drone movido a energia solar com asas do comprimento de uma aeronave Boing 747. Feito majoritariamente de fibra de carbono, ele vai pesar não mais que um carro.

A ideia é construir uma rede de aviões não tripulados alimentada por uma base terrestre situada onde houver boa conexão à internet. Os drones, que vão sobrevoar áreas onde é muito caro construir infraestrutura permanente, vão retransmitir os dados da base uns para os outros via laser
“É como acertar uma moeda de 10 centavos de euro a 18 km de distância. Essa é a precisão que teremos de conseguir com o laser”, diz Yael Maguire, engenheiro do MIT e do Connectivity Lab, o laboratório que pesquisa novas formas de conexão do Facebook. “Queremos desenvolver tecnologias em ordens de grandeza acima do estado da arte atual.

Para descobrir onde os drones devem voar, foi preciso arregimentar os neurônios artificiais das máquinas. O mais completo censo global que os engenheiros de Zuckerberg puderam achar, o GPWv4, da Universidade Columbia, de Nova York, não dava a ideia precisa de quais regiões eram habitadas e quais não eram.

Usando inteligência artificial, o Facebook analisou 21,6 milhões de metros quadrados em 20 países: foram 14,6 bilhões de imagens de satélite. O resultado é um mapa com resolução muito maior do que a disponível no GPWv4. Na verdade, a resolução final é a máxima conseguida pelas fotografias aeroespaciais: 5 metros

Com terabytes e mais terabytes (350 até agora) dizendo como a população mundial está distribuída, será preciso então colocar os drones para voar –o que não deve ser fácil. “O recorde de um avião não tripulado é de duas semanas no ar sem interrupções. Queremos chegar a três meses”, diz Jay Parikh, vice-presidente de engenharia do Facebook.

“Toda essa tecnologia ainda é muito incipiente. Precisamos testar cada parte em voo. E depois tem as questões de políticas, como fica a confiabilidade do sistema, como fica o uso do espectro. Vai levar anos para integrar tudo”.

E vai levar muito dinheiro também. No trimestre terminado em dezembro de 2015, o Facebook gastou US$ 1,3 bilhão com pesquisa e desenvolvimento, dez vezes mais do que no último quartil de 2011: US$ 124 milhões.

É difícil dizer quanto desse montante vai para projetos de conectividade, mas a soma dá a medida de quão surpreendente parece a frase de Parikh, que repete a ideia de Zuckerberg quase à exatidão: “Nós não queremos operar nada. Queremos fazer a pesquisa e entregar a tecnologia a terceiros”, diz ele. “Tudo está relacionado a conectar todo mundo. Queremos todos com banda larga”.

Ao menos para as entidades regulatórias da Índia, o discurso altruísta não colou. No começo de fevereiro, elas baniram o programa “Free Basics” do país. Parte do braço filantrópico do Facebook –o Internet.org–, o projeto pretende levar acesso a regiões pobres com uma versão em texto da rede social e notícias sobre saúde e emprego.

Os indianos entenderam que o programa feriria o princípio de neutralidade da rede, a versar que um provedor de acesso não pode favorecer o conteúdo de um ou outro site –o que aconteceria no caso do “Free Basics”. O programa limitaria a conexão às informações produzidas pela rede social. No Brasil, o anúncio de que o programa chegaria ao país resultou em críticas à presidente Dilma Rousseff.

Questionado em Barcelona sobre se o Facebook tinha a pretensão de se transformar em um provedor de acesso, Zuckerberg riu e disse que não, mas acabou concedendo um lampejo sobre o que haveria de interesse financeiro em conectar o planeta. “Nós temos um ótimo modelo de publicidade de que gostamos. Quando temos pessoas na internet, temos um negócio que funciona”,

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