Expansão do varejo on­line muda dinâmica da inflação

A crescente influência do varejo on-line está mudando a maneira como a inflação se comporta, tornando-a mais sensível a choques pontuais, como saltos no preço do petróleo, oscilações cambiais ou a imposição de tarifas, segundo uma nova pesquisa.
Um artigo apresentado no simpósio organizado pelo Federal Reserve em Jackson Hole disse que o crescimento das plataformas de varejo na internet está tendo efeitos de longo alcance em todo o setor, pois os preços se tornam mais uniformes em diferentes locais de venda e as empresas ajustam os preços com maior frequência.
“Essas mudanças tornam os preços de varejo mais sensíveis aos choques agregados em todo o país, aumentando o repasse dos preços dos combustíveis e das flutuações da taxa de câmbio”, disse Alberto Cavallo, professor associado da Harvard Business School, em relatório. “Para a política monetária e os interessados na dinâmica da inflação, a implicação é que os preços de varejo estão se tornando menos isolados desses choques comuns em escala nacional.”
A pesquisa lança nova luz sobre uma área importante de pesquisa dos bancos centrais, que estudam o chamado efeito Amazon, a crescente atividade online. Alguns economistas notaram a maior facilidade com que os consumidores podem comparar os preços on-line e o impacto que essas mudanças têm na fidelidade a marcas, como uma possível explicação por trás da inflação baixa.
Janet Yellen, ex-presidente do Fed, disse em 2017 que a crescente importância das compras on-line, ao aumentar a competitividade do varejo americano, poderia ter reduzido as margens de preço e restringido a capacidade das empresas de repassar aumentos de preços. Mas ela também apontou que a economia em geral estava se tornando mais concentrada e menos dinâmica, o que poderia aumentar o poder das empresas de impor preços – um tema que também esteve no centro das discussões deste ano em Jackson Hole.
A pesquisa de Cavallo revela os efeitos generalizados da expansão das compras on-line sobre a forma como a inflação é definida. As implicações são que as taxas de inflação no país poderiam mudar drasticamente, à medida que grandes eventos, como um salto ou queda nos preços do petróleo, avançam rapidamente para os algoritmos de precificação usados pelas empresas de varejo de alta tecnologia.
A pesquisa se baseia em duas facetas-chave de precificação em lojas como a Amazon – preços altamente flexíveis e preços uniformes em diferentes locais. Isso sugere que essas estratégias estão afetando o comportamento de preços de varejistas tradicionais com operações na internet.
A frequência de mudanças de preços nas grandes varejistas tem aumentado nos últimos 10 anos – e as mudanças são particularmente notáveis em setores onde as empresas on-line são importantes, como a eletrônica. A frequência mensal de mudanças nos preços regulares, que excluem as vendas temporárias, subiu de 15,4% em 2008-10 para 27,4% em 2014-17, disse Cavallo.
Mudanças rápidas de preço por empresa on-line resultam do uso de algoritmos automatizados para responder à atividade em seus sites. Muitos outros varejistas usam a Web para monitorar os preços dos concorrentes. “À medida que as estratégias de preços se tornam mais interconectadas, alguns grandes varejistas que usam algoritmos podem mudar o comportamento de preços do setor como um todo”, disse Cavallo.

A pesquisa aponta ainda que, enquanto os varejistas on-line tendem a cobrar os mesmos preços em todo o país, independentemente da localização do consumidor, grandes varejistas tradicionais também estão mostrando um grau maior de uniformidade. O artigo revela que os preços da Amazon são os mesmos em diferentes locais em 91% do tempo, enquanto a parcela de preços idênticos entre os varejistas multicanais é de 78%.
A descoberta apoia outras pesquisas que dizem que a transparência da internet está restringindo a capacidade dos varejistas tradicionais de discriminar preço por localização, disse Cavallo.
“Essa evidência sugere que, à medida que varejistas tradicionais competem mais com varejistas on-line, sua dispersão geográfica de preços continuará a cair”, disse o relatório. Como resultado, grandes mudanças pontuais nos principais preços, como os do petróleo e da moeda, estão se propagando ampla e rapidamente pelo setor.
A possibilidade de a inflação se tornar mais responsiva a grandes choques econômicos é uma das várias mudanças estruturais na economia que estão sendo discutidas em Jackson Hole.
O Fed de Kansas City, que organiza o simpósio, também colocou o crescente poder das grandes empresas na agenda de debate, com os economistas questionando os crescentes lucros e fatias de mercado de algumas empresas líderes, juntamente com o fraco crescimento salarial e a produtividade menor em países como os EUA.
Alan Krueger, ex-presidente do Conselho de Assessores Econômicos da Casa Branca e que hoje está na Universidade de Princeton, disse em discurso na sexta-feira que o enigma do crescimento salarial pode ser em parte devido ao baixo poder de barganha dos trabalhadores diante de empresas poderosas, que podem estar usando práticas não competitivas ou conluio para manter o salários baixos.
Um quarto dos trabalhadores americanos estava vinculado a alguma restrição de não-concorrência no seu emprego atual ou no anterior, por exemplo, disse ele. Isso limita sua capacidade de ir para rivais em busca de salário maior. Sua pesquisa sugeriu que 58% das empresas de franquia usam cláusulas que também restringem a possibilidade dos trabalhadores de se mudar um concorrente.
“Se os empregadores conspirarem para manter os salários em uma taxa fixa, abaixo do mercado, ou se o poder de monopsônio aumentar com o tempo, então os salários poderiam permanecer teimosamente resistentes à pressão crescente da demanda por mão de obra numa economia em expansão”, disse ele.
https://www.valor.com.br/internacional/5772823/expansao-do-varejo-line-muda-dinamica-da-inflacao#

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