EUA querem comércio eletrônico sem tarifa

Ao mesmo tempo em que tenta minar a Organização Mundial do Comércio (OMC), o governo de Donald Trump apresentou discretamente na entidade uma proposta ambiciosa para a negociação de comércio eletrônico, com questões especialmente sensíveis para economias emergentes.
No documento americano, ao qual o Valor teve acesso, Washington propõe, por exemplo, que nenhum país deve impor tarifas, taxas ou outros encargos na importação ou exportação de produtos digitais transmitidos eletronicamente. Isso não impede que os governos possam adotar taxas
Por produtos digitais entende-se “programas de computador, textos, gravações ou outros produtos de vídeo, imagem ou som que sejam codificados digitalmente para venda comercial ou distribuição e que possam ser transmitidos eletronicamente”.
Isso incluiria filmes e músicas que hoje são comumente acessados em sites de streaming. A taxação desse tipo de produto é tema de debate em todo o mundo.
A importância da discussão está clara nas previsões de Jack Ma, co-fundador do gigante chinês Alibaba e concorrente da Amazon na cena internacional: até 2030 mais de 85% do comércio internacional passará pelo e-commerce e vai se impor o “Made on the internet” em vez da etiqueta de “Made in China”, por exemplo. Em trinta anos, apenas 1% do comércio global será offline, fora da Internet.
A proposta americana visivelmente foi desenhada para enquadrar a China, mas terá efeito colateral sobre outros países.
Em sua proposta, Washington defende que nenhum país deve requerer a transferência ou acesso a código fonte de software pertencente a empresa ou pessoa de outro país, nem o algoritmo expresso no código fonte, como uma condição para importação, distribuição, venda ou uso do software em seu território.
Código fonte no mundo digital é visto quase como um segredo industrial. A China exige que as companhias abram esse código para operar em seu mercado.
Outro ponto sensível é sobre a localização de dados. Os EUA propõem que nenhum país exija instalação de dados de computação em seu território como condição para uma empresa fazer negócios naquele mercado.
Na mesma linha, a proposta americana procura barrar o que chama de exigência forçada de transferência de tecnologia, processo de produção ou outros elementos de conhecimento para poder se estabelecer, expandir, administrar, conduzir, operar ou investir nos outros países.
Propostas de textos legais da União Europeia, Japão e Austrália, na mesma linha do texto americano, sinalizam que as negociações sobre comércio digital entram em nova fase na OMC e podem ser aceleradas na virada do ano.
Na recente negociação dos EUA com o México e o Canadá sobre o novo Nafta, Washington conseguiu a isenção de taxas para as compras de produtos importados com valor de até US$ 117. Isso dá um grande impulso à indústria americana de comércio eletrônico. Como diz Jack Ma, os contêineres do comércio internacional de hoje serão no futuro substituídos por pacotes.
Este ano, o Brasil já apresentou documento na OMC defendendo regras estritas para o fluxo de dados digitais, que tem impacto cada vez maior na economia digital. A posição brasileira se choca com a dos EUA, que tem interesse em assegurar o livre fluxo de dados que beneficia empresas como Facebook, Apple, Google e Amazon, as quatro grandes quando se discute o tema.
O Brasil quer debater o grau e as condições dos fluxo de dados levando em conta questões como privacidade das pessoas, consumidores e pacientes médicos; segurança digital, desinformação e direitos humanos.
Por exemplo, quando os brasileiros fazem o “like” no Facebook de um amigo, essa informação é de graça, de propriedade do Brasil ou da empresa estrangeira detentora da plataforma online? Essa empresa pode usar e vender a informação, considerando seu peso no marketing digital? Prontuários médicos de brasileiros podem circular na rede digital livremente?
Fontes na cena comercial lembram problemas do Facebook com perfis públicos dos membros da rede social, cerca de 2 bilhões de pessoas, que foram em parte “aspirados” por empresas desconhecidas. E não se sabe onde se encontram hoje esses dados nem quem os pegou.

https://www.valor.com.br/internacional/5914637/eua-querem-barrar-taxacao-de-produto-digital-importado#

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