Eleição na Itália ignora tema crucial: como voltar a crescer?

A campanha para as eleições nacionais da Itália, em 4 de março, contou com várias promessas populistas de benesses, mas negligenciou o que os economistas há muito dizem ser o verdadeiro problema italiano: o país esqueceu como se faz para crescer.
Basta ver a pizzaria de Gianni Angelilli, no centro de Roma. Ele usa uma mistura inovadora para a massa de farinha e métodos flexíveis de cocção, o que atrai longas filas e críticas entusiasmadas. A Itália, no entanto, é demasiado burocrática, a população local não tem dinheiro e sua ambição não é mais a de antigamente, diz Angelilli. Se ele abrir filiais, vão ser no exterior.
“Agora, os estrangeiros têm mais desejo de comer bem do que os italianos”, diz. “A Itália está morta. A Itália acabou.”
A Itália costuma se orgulhar de sua criatividade, mas sua economia vem se recuperando da reviravolta dos últimos anos de forma mais lenta que a do resto da Europa. O cerne do problema é a falta de crescimento na produtividade, uma vez que o país perdeu contato com o mundo em rápida transformação dos últimos 25 anos, como mostrou matéria da Dow Jones , assinada por Marcus Walker e Giovanni Legorano, publicada no Valor de 1/03.
O aumento da produtividade no pós-guerra levou a Itália a passar de um país agrário e majoritariamente pobre a uma das potências industriais do mundo. Então, no início dos anos 90, o motor emperrou e a Itália foi se tornando cada
vez menos eficiente na alocação de seu capital e trabalho, segundo mostram dados sobre a produtividade do país. Como resultado, desde essa época, o crescimento passou a ser dolorosamente lento.
A economia italiana sofreu grande retração no início desta década afetada pela crise da dívida da zona do euro. A tardia recuperação agora em andamento rendeu um crescimento de 1,5% em 2017 – taxa 1 ponto percentual inferior à média da zona do euro e insuficiente para dissipar a sensação predominante entre os italianos de declínio nacional. Muitas autoridades europeias veem a estagnação da Itália como a causa mais provável de uma futura crise da zona do euro, embora a moeda única pareça estar segura por enquanto.
O problema da produtividade da Itália se deve, em parte, a governos disfuncionais e, em parte, a hábitos empresariais arraigados, segundo análise do Instituto Einaudi para Economia e Finança, um centro de estudos de Roma, financiado pelo banco central italiano.
A política italiana se tornou nitidamente mais caótica desde o desmoronamento do antigo sistema partidário do país – que, durante a Guerra Fria, em grande medida manteve-se congelado – após os escândalos de corrupção do início dos anos 90. Dados reunidos por Luigi Guiso e outros economistas do Instituto Einaudi mostram que, desde 1992, aumentaram as chances de coalizões de governo se desfazerem, de parlamentares trocarem de partido e da necessidade moções de confiança no Parlamento para aprovar projetos de lei. Políticos em luta acirrada para se destacar costumam defender com mais frequências novas leis, que em geral são mais complexas.
“Os excessos desorganizaram a máquina burocrática”, diz Guiso. “O país tornou-se pesado e desajeitado.” Paradoxalmente, ao mesmo tempo em que constantes mudanças legais imobilizaram a administração pública, a fraqueza de líderes políticos de curta duração também a tornou mais poderosa, diz.
Guiso tem experiência prática. Ele vem ajudando a criar um programa apoiado pelo governo para enviar jovens italianos para aprender empreendedorismo no Vale do Silício e em escolas de administração e negócios nos Estados Unidos. Ele citou o caso de uma licitação convidando organizações dos EUA a participar do programa, mas cujo material apenas podia ser publicado em idioma local por decisão de funcionários públicos italianos. Depois de muita persuasão, os funcionários concordaram em publicar o material em inglês, embora tenham insistido em que todas as inscrições fossem em italiano, segundo Guiso. Ele disse que amigos políticos se desculparam e disseram que não podiam fazer nada.
Angelilli diz que seus confrontos, à frente da pizzaria Pinsere, com a burocracia italiana o deixaram se sentindo “psicologicamente violentado”. Conta que precisou pagar uma multa recentemente porque a extração de ar de seu forno, que estava em conformidade com as leis regionais, nacionais e europeias, ficou em conflito com novas normas municipais.
A burocracia também vem travando a empresa de engenharia elétrica Ecolibri, segundo a executiva-chefe, Donatella Scarpa. Para atender à demanda, a empresa de administração familiar, que tem sede num parque empresarial perto de Milão, precisava de mais espaço para produzir, então comprou um prédio vazio ao lado de suas instalações. Scarpa diz estar em batalha há um ano com autoridades locais para obter a licença de uso. Não foi possível contatá-las para comentar o assunto.
“Disseram-nos que o prédio fica em uma bacia agrícola da região”, disse Scarpa. “O engraçado é que o prédio está no meio de empresas industriais e fica numa rua chamada ‘Avenida das Indústrias’.”
O governo não é o único problema, disse Fabiano Schivardi, outro economista do Instituto Einaudi, que pesquisa as forças influenciadoras da produtividade. As empresas familiares, espinha dorsal da economia da Itália, muitas vezes são comandadas por fundadores avessos a riscos e já idosos, que rejeitam a ideia de investimentos externos e de administradores profissionais, disse.
Nas décadas do pós-guerra, quando a Itália tentava alcançar o estágio de outros países, as legiões de pequenas empresas com habilidades de manufatura artesanal eram um ativo nacional, diz Schivardi. Agora, elas vêm freando o país, segundo o economista.
“Administração profissional, tecnologia da informação, capital humano com alto grau de ensino, tudo isso está em falta”, disse. “É preciso uma mudança de cultura.”
Algumas famílias vêm quebrando velhos hábitos. Na Pasubio, fabricante de acabamentos de couro para carros de luxo, de Vicenza, os quatro irmãos donos da empresa viveram um impasse quanto à estratégia a seguir. Em 2017, venderam uma participação majoritária para uma firma de investimento em participações, a CVC Capital Partners, e apenas um irmão, Luca Pretto, ficou no comando.
“As emoções estavam atrapalhando a lógica comercial”, disse Pretto. “Compreendemos que precisávamos de um investimento externo e de gerentes de primeira linha, de fora da família, para globalizar-nos.” A empresa se reorganizou e vem crescendo com rapidez.
“Não é usual fazer isso na Itália. A mentalidade na Itália é ver a empresa como parte da família”, disse. “Esse é o inimigo do desenvolvimento dos negócios.”

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