Corre, corre, corre

Victor de la Paz Richarte Martinez

Em conversas com profissionais de RH, alunos da graduação e da pós, aparecem comentários sobre a Geração Noodle, ou também apelidada aqui nos trópicos como Miojo, como formada por jovens que querem ascender na empresa em curto tempo e facilmente se incomodam ao perceberem que, para um crescimento profissional, é necessário mais tempo. Mas isso é compreensível quando pensamos que todos, não só os jovens, estamos constantemente submetidos a um processo de cobrança contínua, tanto externa quanto pessoalmente, para darmos o melhor de si, sempre. Para uma análise recorro às perspectivas da sociedade orientada para o consumidor e voltada ao rendimento.
Somos todos consumidores, mesmo na posição de empregados. Em uma pesquisa de consultoria, profissionais do RH apontaram que os empregados trazem a mentalidade de “preciso ser atendido com qualidade e rapidez” para sua posição de trabalho. É o que executivos dessa área tem se debruçado quando falam do employee experience e a preocupação para manter profissionais talentosos na organização.
Somos instados a produzir mais, cada vez mais, e sempre mais. Entrega-se um serviço com qualidade, inovador e que agrega à organização, mas a chefia (que não é líder e nem reflete sobre liderança) já sai com sorriso nos cantos. “Mas… poderia ter feito assim”. “Está bom, mas para a próxima…”. Ou seja, não há uma comemoração, uma parabenização, uma trégua momentânea na avaliação crítica e contínua sobre as entregas revelando que há problemas. Na ótica de quem é cliente e quem se acha representante do cliente, nunca se está satisfeito com o resultado, pois sempre há mais para fazer e saciar os desejos.
Estudiosos alemães têm denominado como “sociedade do rendimento” os processos de cobrança para entregar mais, mais e mais. Na metáfora do rato de laboratório que corre na roda e não tem como pará-la, as pessoas estão se dopando com estimulantes para aumentar a produção e tomando remédios para evitar baixo rendimento (no trabalho, claro). Isso remete ao argumento sobre competências como sinônimo de entrega acima da média. Assim, nessa ótica, um profissional que estiver passando por uma fase ruim na vida (quem nunca?), como doença, problemas com filhos, cônjuge entre tantos outras da esfera além do trabalho, deve performar sempre com o mesmo rendimento, para evitar desligamento.
Então, um profissional que trabalha na empresa, digamos três anos, com desempenho satisfatório, caso apresente um ou dois meses de resultado abaixo do esperado deixa de ser competente e deve ser desligado?
Para evitar esse cenário, os profissionais (Noodles ou não) estão cada vez mais tomando café, energético, loratadina, vitaminas, ritalina etc. Lembra aquele comercial de produtos antigripais para voltar ao “seu melhor” em 10 minutos? Quem teve ou tem experiência com Medicina do trabalho sabe quanto os casos de uso de álcool e de outras drogas estão associados ao ambiente tóxico das organizações performáticas.
Qual a responsabilidade de cada um nesse cenário – empregados, líderes, chefias, acadêmicos, RH, Board etc? As respostas são múltiplas, demandam mais perspectivas e principalmente ação. Como ponto de partida sugere-se atentar para os dados organizacionais sobre saúde do trabalhador, muito além de contagem de dias de licença. É ser profissional de RH se perguntar o porquê desse cenário e não ficar apenas na fiscalização.

Prof. Dr. Victor de la Paz Richarte Martinez – Psicólogo Organizacional, Professor e pesquisador sobre Gestão de Pessoas, Diversidade e Comunicação interna nas Organizações. Supervisor do NUPO – Núcleo de Pessoas nas Organizações do Centro de Gestão e Transformação de Negócios do curso de Administração da ESPM.

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