Conflito com EUA ameaça produtividade da China

Em sua busca por talentos globais, a empresa chinesa Huawei não contratará mais engenheiros de gigantes de tecnologia dos EUA, como a Qualcomm ou a Apple. “Se eles estiverem conectados aos EUA, o longo braço da jurisdição americana pode chegar à nossa empresa”, disse o fundador da Huawei, Ren Zhengfei, no início deste ano. “Se tiverem cidadania dos EUA, não os contrataremos.”
A decisão de romper o vínculo entre a maior fabricante de equipamentos de telecomunicações do mundo e os maiores bancos de talentos de tecnologia é sintoma de uma batalha muito maior entre China e EUA – e que causa danos crescentes à economia chinesa.
A decisão do governo Trump na semana passada de declarar a China um país “manipulador de sua moeda” – depois de Pequim ter deixado o yuan ultrapassar a marca de sete yuans por dólar – foi apenas a mais recente evidência de que ambos os lados estão se preparando para batalha mais longa.
Economistas temem que, se os laços internacionais da China perderem força, a produtividade de sua força de trabalho e de seu capital também diminuam, em consequência do menor acesso a tecnologias e talentos estrangeiros.
“Uma China desconectada – seja por escolha própria ou de outros – não é bom para o aumento da produtividade”, diz Scott Kennedy, do Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais, em Washington. “Estou preocupado com a economia da China num mundo sem essa engrenagem.”
A guerra comercial ocorre num momento difícil na história econômica moderna da China. Grandes retornos gerados por sua força de trabalho jovem e vigorosa estão começando a desaparecer à medida que a população envelhece.
O desenvolvimento liderado pelo investimento nas duas últimas décadas levou a um crescimento econômico de dois dígitos, mas também aumentou a dívida de empresas, famílias e governo, para nível equivalente a 300% do PIB. Tornou-se um obstáculo ao crescimento econômico, que caiu ao menor nível em 30 anos no segundo trimestre.
Isso deixa o crescimento da produtividade total dos fatores – que mede ganhos de eficiência relacionados à inovação – como o principal motor de crescimento futuro.
A produtividade total dos fatores da China caiu 0,6% em 2017, de acordo com um cálculo do BNP Paribas Asset Management.
A maior parte dos economistas concorda que as reformas econômicas e políticas que a China empreendeu no fim dos anos 70 aumentaram a eficácia de seus funcionários e a implantação de capital. À medida que as empresas estrangeiras entram no país, trazem consigo novas tecnologias e talentos e aumentam a concorrência, fatores que afetam negócios locais ou as impulsionam a melhorar.
Wang Tao, do banco UBS, argumenta que as “verdadeiras fontes de crescimento da produtividade chinesa” são “ganhos de produtividade ou eficiência advindos das reformas e abertura, bem como do progresso tecnológico” e “aqueles trazidos pelo investimento”.
O UBS estima que restrições mais rígidas à transferência de tecnologia reduzirão a produtividade total dos fatores de modo suficiente para derrubar meio ponto percentual do crescimento anual do PIB pelos próximos 10 anos.
A produtividade chinesa não é apenas ameaçada pela redução do acesso a novas tecnologias. Outros desafios vêm da queda na troca de talentos por estudantes, professores, engenheiros e empresas ocidentais. A decisão da Huawei de restringir a contratação de cidadãos americanos é um lembrete.
Em Pequim, um recrutador de uma grande universidade americana disse que aprovações de vistos de estudante nos EUA diminuíram visivelmente no ano passado.
“Se há menos centros de intercâmbio, menos graduados chineses no Ocidente e menos multinacionais na China, haverá menos capital humano”, diz Kennedy.
Alguns especialistas temem que a guerra comercial também afaste a China das reformas de mercado. Isso fortaleceria o poder do Estado de dar as cartas, algo que muitos analistas consideram uma das principais causas por trás da ineficiência econômica da China.
As empresas estatais são notórias por seu mau uso do capital, muitas vezes mantendo suas portas abertas apenas para manter o nível de emprego. Elas também recebem generosos subsídios do governo, capital que poderia ser investido de outras maneiras.
“Há chances de a guerra comercial forçar a China a derrubar a política industrial liderada pelo Estado e expulsar empresas de tecnologia estrangeiras”, diz Julian Evans-Pritchard, da Capital Economics na China. “Isso pode resultar em menor produtividade.”
Zhang Xiaobo, professor de economia da Universidade de Pequim, argumenta, no entanto, que a disputa com os EUA pode levar a China a se tornar mais integrada com outras economias emergentes. “A guerra comercial poderá induzir o governo a realizar reformas profundas, para estimular a demanda interna e a própria inovação chinesa.”

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