Comércio mundial desacelera. Globalização em risco?

A forte queda no crescimento do comércio global este ano está acentuando um legado perturbador da crise financeira: as exportações e importações de bens estão muito abaixo do ritmo das expansões anteriores, ameaçando melhorias futuras na produtividade e nos padrões de vida.

Pelo terceiro ano consecutivo, a taxa de crescimento do comércio mundial deve ficar atrás da já lenta expansão da economia global, segundo dados da Organização Mundial do Comércio e projeções de economistas destacados. Antes dessa queda recente, o último ano em que o comércio teve um mau desempenho durante uma expansão econômica foi em 1983.

“Nós tivemos essa explosão da globalização e agora estamos em um ponto de consolidação, talvez retração”, diz o economista-chefe da OMC, Robert Koopman. “É quase como se a correia dentada da máquina do crescimento global estivesse um pouco fora de sincronismo ou os cilindros não estivessem trabalhando como deveriam”, como mostrou matéria do The Wall Street Journal, assinada por William Mauldin, publicada no Valor Econômico de 15/09, pg B9.

Desde a forte recuperação de 2010, depois da crise financeira, o comércio registrou um crescimento anual médio de apenas 3%, comparado com 6% entre 1983 e 2008, segundo a OMC.

Os economistas culpam vários fatores pela desaceleração, desde o recuo da China em certos tipos de produção fabril até o declínio do investimento internacional. Eles também apontam para uma escassez de novos acordos comerciais de porte e para barreiras comerciais criadas depois da crise de 2008, assim como uma recém- descoberta relutância de empresas em buscar produtos longe de casa.

Poucos enxergam algum sinal de que o comércio vai em breve recobrar seu ritmo anterior de crescimento, que antes de 2008 era o dobro da taxa de expansão econômica. Em 2006, o volume de comércio global subiu 8,5%, comparado com uma alta de 4% no PIB global.

Neste ano, a OMC deve cortar sua previsão do comércio em 2015 pela segunda vez após uma contração repentina no primeiro semestre – a primeira desde 2009. Grande parte da desaceleração está sendo provocada pelo desempenho anêmico das economias emergentes, incluindo a China, comparado com seu crescimento robusto nas décadas anteriores. A mudança levou os economistas a ponderar se a duradoura onda de globalização impulsionada pelo comércio chegou ao fim.

“É bastante óbvio que atingimos um pico no comércio em 2007”, diz Scott Miller, especialista em comércio do Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais, que é sediado em Washington.

O volume de comércio pode se recuperar um pouco no segundo semestre, mas deve crescer só 1% em todo 2015, estima Paul Veenendaal, economista do CPB, um órgão holandês de análise de política econômica que acompanha de perto o comércio global. O número fica bem abaixo dos 3,3% que o Fundo Monetário Internacional prevê para o crescimento econômico mundial.

“O que vimos na primeira metade do ano é que a queda foi provocada por um declínio notável no comércio da China”, diz Veenendaal. “Minha estimativa é que ele vai subir de novo neste ano, mas não tenho certeza.”

As exportações dos Estados Unidos caíram 5,6% nos primeiro sete meses do ano, para US$ 895,7 bilhões. O valor das exportações sul-coreanas recuou 14,7% em agosto ante o mesmo mês de 2014, a maior queda em seis anos, em face da retração nas vendas para a China. Já as importações chinesas em dólar recuaram 13,8% no mês passado em relação a um ano atrás. Em julho, a queda foi de 8,1%.

A economia manufatureira da China começou sua rápida ascensão nas décadas de 80 e 90, enquanto o colapso da União Soviética expandiu o comércio ao dar origem a novas economias com base no mercado. A China se uniu à OMC em 2001, reduzindo algumas tarifas e se comprometendo a seguir muitas regras globais. Outras economias emergentes também deslancharam, impulsionadas pelo crédito barato, e muitas empresas buscaram elevar as margens de lucro terceirizando sua produção em países com baixo custo de mão de obra.

Durante a crise de 2008, o comércio caiu de forma expressiva com a redução do crédito e contração econômica no mundo. O comércio se recuperou mais tarde, embora nunca tenha voltado aos níveis anteriores.

Parte do motivo é que as empresas estão receosas de fazer novos investimentos expressivos em fábricas, dizem economistas. Outros fatores são a lenta recuperação da Europa, que tem afetado o comércio dos 28 países da União Europeia, e a queda da demanda da UE por bens chineses como máquinas e eletrônicos, sem falar nas exportações americanas.

Outro problema foi a falta de sucesso dos governos para fechar grandes acordos comerciais. A Rodada Doha de negociações da OMC, que previa uma ampla liberalização comercial, empacou, embora a entidade, que é sediada em Genebra, tenha fechado um acordo para remover os empecilhos ao florescimento do comércio em países em desenvolvimento.

Países que comercializam mais de US$ 1 trilhão por ano em produtos de alta tecnologia concordaram em eliminar tarifas sobre esses produtos, mas o prazo é incerto. Economias avançadas, agora mais dependentes de serviços e de novas tecnologias do que da indústria tradicional, podem registrar um crescimento adicional com novos acordos comerciais, como a Parceria Transpacífica, que o presidente dos EUA, Barack Obama, vem há anos tentando concluir, dizem economistas.

Os críticos da globalização alertam que explosões no comércio podem afetar empregos e culturas em todo o mundo. Ainda assim, a maioria dos especialistas vê o comércio como um grande instrumento para melhorar o nível de vida porque as vendas internacionais aumentam o volume de clientes de um dado produto e ampliam a concorrência e a especialização, reduzindo os preços ao consumidor.

Os países asiáticos que abriram suas fronteiras viram milhões de pessoas saírem da agricultura familiar para empregos com melhor remuneração em fábricas de produtos para exportação. O atual crescimento anêmico do comércio pode reduzir os esforços para combater a miséria, dizem economistas.

Em tempos de crise, alguns países desvalorizaram suas moedas para impulsionar as exportações e o crescimento, mas as mudanças cambiais têm poucas chances de ampliar o comércio em geral e trazem limitados benefícios econômicos.

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