Chance de derrota de Merkel vira novo foco de incertezas

O surgimento de um sério rival na disputa com a premiê alemã está forçando investidores globais a analisar outra possível surpresa eleitoral: a saída de cena de Angela Merkel, constante política crucial presente durante anos de turbulência na zona do euro, assim como o fim da tendência europeia de impor austeridade fiscal. Uma pesquisa divulgada ontem reforçou a chance de derrota de Merkel.

A indicação de Martin Schulz como candidato do Partido Social-Democrata (SPD) energizou a eleição alemã, que acontecerá em setembro. Segunda pesquisa do instituto Insa, a intenção de voto no SPD desde a oficialização de Schulz, há duas semanas, subiu de 21% para 31%, alta muito rara na estável política alemã, como mostrou artigo da Reuters, assinado por Marc Jones e PaulCarrel, publicado no Valor de 7/02.

Já o bloco democrata-cristão (CDU-CSU) de Merkel passou de 32,5% para 30%. Essa foi a primeira pesquisa a indicar empate técnico, e a tendência de alta do SPD parece evidente. Schulz supera ainda a popularidade de Merkel, numa avaliação apenas dos dois.

Essa é uma perspectiva preocupante para alguns investidores, hoje acostumados com o comportamento de modo geral firme de Merkel frente às contínuas crises na Europa. Há algumas semanas, Larry Fink, que dirige a BlackRock, maior gestora de ativos do mundo, elogiou “a liderança moral que Merkel e a Alemanha têm desempenhado num mundo cada vez mais discordante”, acrescentando esperar que ela seguisse no cargo.

Schulz, ex-presidente do Parlamento Europeu, está determinado a mudar isso. Tendo visto seu partido definhar como parceiro júnior na “grande coalizão” com Merkel, ele promete lutar por regras tributárias mais justas, salários mais altos, melhor ensino e pela superação das “profundas divisões” que fomentaram o populismo.

Os mercados financeiros veriam isso como um aceno a um relaxamento fiscal, o que não constituiria problema para uma grande economia folgadamente superavitária e seria, provavelmente, bom para as ações de empresas europeias, embora nem tanto para os títulos, se isso alimentar a inflação.

Uma lição de 2016 para investidores foi que os choques políticos originados da eleição de Donald Trump nos EUA e do Brexit não causaram colapso nos mercados. Em parte, isso se deve ao fato de as políticas fiscais favoráveis ao crescimento terem ganho predominância, em detrimento de excessiva dependência em relação a maximização da política monetária.

Uma mudança na Alemanha poderia ainda aliviar tensões internacionais em relação a seus superávits fiscal e comercial, expostas na semana passada, quando o assessor de comércio de Donald Trump atacou a vantagem de que os exportadores alemães desfrutam em razão de um euro “grosseiramente subvalorizado”.

Outra incógnita, para os mercados, será o que acontecerá com a dura posição do ministro das Finanças alemão, Wolfgang Schäuble, frente à ajuda financeira à Grécia, se ele for substituído.

Eles vão querer saber ainda se Schulz acabaria com a onda de austeridade na Europa e atacaria a política monetária implementada pelo Banco Central Europeu (BCE), com juros negativos que prejudicam os poupadores alemães.

“Se lermos as entrelinhas, [veremos que] o governo Merkel tem sido bastante favorável às ações do BCE”, disse Tim Barker, diretor de crédito na Old Mutual Global Investors. “Se ela não estiver no poder, será que esse apoio persistirá? Não sabemos a resposta.”

Não causa surpresa que Schulz seja pró-europeu. Em entrevista à revista “Der Spiegel” em 2012, ele disse que a introdução de eurobonds comuns a todo o bloco de moeda única seria a melhor maneira de reduzir o ônus dos juros sobre os países meridionais endividados, embora tenha dito que esse é “um debate teórico”, pois os países do norte não os desejavam.

Os títulos gregos, italianos, espanhóis e portugueses apresentaram, todos, um desempenho insatisfatório neste ano, devido ao nervosismo com a política do BCE e da intensificação do ânimo anti-euro em vários países, como a França.

Tilmann Galler, da JP Morgan Asset Management, disse que em vista do “DNA europeu presente ao longo de toda sua carreira política”, Schulz poderia ser o antídoto.

Qualquer alta do risco poderia facilmente ser revertida se o governo alemão abrir a torneira de empréstimos em países periféricos da zona euro. “Todo o restante mantido inalterado, austeridade é sinônimo de disciplina fiscal, de modo que, se isso for revertido, serão abertas as comportas da oferta?”, questiona Barker, da Old Mutual.

O euro também poderá oscilar caso a Alemanha comece efetivamente a gastar. O governo vem enfrentando pressões internacionais há anos – inclusive do FMI e da OCDE – para fomentar a demanda econômica interna e assim equilibrar suas exportações. A Alemanha teve um superávit comercial recorde de quase um quarto de trilhão de euros no ano passado.

Apesar do entusiasmo do SPD com Schulz, suas chances de derrotar Merkel ainda são incertas. O voto na Alemanha é no partido, e não num candidato a premiê. A situação de empate técnico do SPD com o bloco de Merkel significa que, para chegar ao poder, Schulz precisaria associar-se a dois partidos menores – os Verdes e o Partido de Esquerda. Negociações exploratórias já estão acontecendo.

A perspectiva de uma aliança com forte presença da esquerda já está alarmando alguns conservadores. “Isso colocaria em perigo tudo o que conseguimos”, disse Michael Frieser, deputado da União Social Cristã (CSU), conservadores da Baviera aliados de Merkel.

Para o mercado, todas as incógnitas geram cautela. Se Schulz tornar-se premiê e sinalizar uma política de gastos, os títulos do governo alemão provavelmente terão desempenho inferior ao de outros países do euro, disse Galler, do JP Morgan AM. A incerteza já está se refletindo nos mercados de opções cambiais. Traders vêm fazendo apostas na volatilidade do euro.

“Seria um enorme choque para os mercados e para a ordem política na zona do euro se Schulz vencer”, disse Sassan Ghahramani, CEO da Macro Advisors, dos EUA, que assessora fundos de hedge.

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