Brexit faz britânicos estocarem comida

Com o fracasso iminente nas negociações entre Reino Unido e União Europeia, os britânicos se aproximam cada vez mais de um Brexit sem acordo comercial, o que ressuscitaria as fronteiras entre a Grã-Bretanha e o continente. Com elas viriam os controles aduaneiros, as inspeções sanitárias e o inevitável desabastecimento. Por isso, muitos britânicos têm estocado comida, temendo o pior cenário.
É o caso de Nevine Mann, de 36 anos. Seus armários estão cheios de macarrão, arroz e cuscuz – o suficiente para alimentar uma família de cinco pessoas por semanas. Medicamentos estão amontoados em caixas de plástico e no jardim da casa de quatro quartos há um tanque de água de 1.300 litros. Nevine não está se preparando para uma guerra nuclear. O que a mantém sob tensão é o Brexit.
Mann juntou-se à banda country do “Brexit Preppers”, os apocalípticos que temem o caos em março, quando a Grã-Bretanha deixará a UE. Sem um acordo, o país pode enfrentar paralisações em portos, caminhões presos em rodovias com suas cargas de comida estragando, prateleiras vazias de mercearias e farmácias, escassez de energia e fábricas desligando. 
A Grã-Bretanha importa cerca de um terço de seus alimentos da UE e as empresas dependem de cadeias de suprimento complexas que podem ser interrompidas se forem impostas verificações nos milhares de caminhões que cruzam o Canal da Mancha todos os dias.
“As pessoas estão falando sobre 2.ª Guerra e racionamento”, disse Mann. “As pessoas também têm falado sobre os apagões nos anos 70 e como a energia foi racionada. Isso tem o potencial de ser uma combinação dos dois.”
A primeira-ministra, Theresa May, nem comenta essa conversa, mas seus ministros publicaram planos de contingência para uma possível saída sem acordo e, pela primeira vez desde o fim do racionamento na década de 50, a Grã-Bretanha tem um ministro responsável por alimentação e suprimentos. 
Essas medidas podem ser destinadas a aumentar a força do país nas negociações com Bruxelas, mas também sinalizam para muita gente que existe a possibilidade real de uma crise, pelo menos por algum tempo.
Um grupo do Facebook chamado “48% Apocalípticos”, cujo nome deriva dos 48% que votaram no referendo de 2016 em favor da UE, é dedicado à preparação para o impacto do Brexit e tem mais de 1.200 membros.
Entre os vários conselhos que circulam há um folheto que descreve os riscos, incluindo redução de suprimentos de gás e petróleo, escassez de alimentos e remédios. “Não podemos mudar muitas coisas, mas podemos estar prontos para o pior”, disse o autor do folheto, James Patrick, consultor de segurança e ex-policial. 
Patrick diz que as pessoas não precisam estocar grandes quantidades de comida e sua família tem o suficiente para uma semana. “É o caso de se ter algumas velas, uma tocha, um rádio, talvez um carregador de telefone a energia solar”, disse. “Você só precisa de dois armários de comida e um pouco de papel higiênico extra.” 
Patrick tem um podcast que pinta um quadro distópico, antecipando, no entanto, que a intranquilidade civil poderia começar no primeiro dia de um Brexit desordenado “e aumentar exponencialmente depois”.
O governo garante que não há necessidade de alarme, que espera chegar a um acordo em breve com a UE, que também diz querer um acerto e tem enviado sinais positivos, embora as negociações no fim de semana tenham fracassado.
Analistas dizem que a possibilidade de ruptura desordenada não pode ser descartada, algo que traz consigo o risco de interrupção de suprimentos e de uma queda da libra, o que elevaria o custo de vida – outra razão para estocar. Ian Wright, diretor da Federação de Alimentos e Bebidas, disse que não há sinais até agora de pressão sobre suprimentos, mas previu que a coisa pode mudar no mês que vem, quando se define o acordo. A rede de supermercados Tesco disse que está discutindo planos de contingência para manter mais produtos secos.
Para aqueles que dependem de medicamentos importados, um Brexit desordenado é uma preocupação especial, e o governo pediu às empresas farmacêuticas para armazenar seis semanas de remédios. “Eu me sinto fisicamente doente só de pensar nisso”, disse Jo Elgarf, membro do grupo dos “48 %”, cuja filha de 4 anos depende de medicamentos importados para parar convulsões. Como eles precisam de prescrição, ela não pode estocar mais do que um suprimento para quatro semanas. “Não há como protegê-la.”

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