A próxima revolução no mundo dos chips

O mundo ao nosso redor logo será dominado por máquinas que afetarão nossos espaços de convivência, nossos corpos e nossa experiência com a luz e o som, alimentados por uma nova combinação de semicondutores e dispositivos miniaturizados. Tarefas básicas como carregar a bateria de um smartphone ou cozinhar um ovo – e complexas como identificar câncer de cólon ou abastecer drones em pleno voo em viagens longas – serão transformadas.

Os sensores deram às máquinas a capacidade de perceber coisas como luz, altitude e umidade ao converter estímulos ao sistema binário de “um” e “zero”. A próxima revolução estará cheia de “atuadores”, que farão exatamente o oposto. Eles permitirão que as máquinas simplifiquem nosso mundo ao converter esses “uns” e “zeros” de volta a algum tipo de força, como luz ou ondas magnéticas, ou até uma pressão física que possa empurrar objetos. O atuador, como o sensor antes dele, é parte da incansável busca tecnológica para extrair uma eficiência cada vez maior das máquinas, como os microprocessadores, o dispositivo de informação mais eficiente já fabricado, como mostrou material do The Wall Street Journal, assinada por Tiernan Ray, publicada no Valor de 30/10.

“Nós passamos as últimas cinco décadas construindo o cérebro do computador”, diz Paul Saffo, professor adjunto da do departamento de engenharia mecânica da Universidade de Standford, referindo-se ao aperfeiçoamento do microprocessador. Agora é hora de dar a esses cérebros a musculatura correspondente para afetar nosso mundo. “Basicamente, você pode pegar qualquer coisa volumosa e torná-la menor e mais barata”, diz Saffo. “O futuro é como faremos cada vez mais coisas com menos aparato físico.”

Como resultado, setores inteiros serão reformatados. O mercado de combustíveis fósseis, por exemplo, sofrerá um novo revés com os carros elétricos, que serão abastecidos da mesma forma que o smartwatch da Apple. O mercado de ciências da vida terá que se ajustar a um mundo onde exames para detectar câncer serão feitos através de cápsulas engolidas pelo paciente. E robôs que usam atuadores para mover peças com grande precisão – e que podem ser recarregados sem utilização de fios – assumirão mais tarefas na manufatura.

Os vencedores neste mundo mais inteligente, melhor e mais rápido serão empresas como a Applied Materials, maior produtora mundial de equipamentos de fabricação de semicondutores, que está desenvolvendo formas de criar novos materiais capazes de mover a energia de forma mais eficiente. E velhas empresas de chips analógicos, como a Integrated Device Technology, ganharão nova relevância por sua capacidade de dominar o movimento da energia.

Empresas de sucesso com capital recém-aberto como a Energous, companhia de eletricidade sem fio, podem ganhar proeminência com a concretização de seus produtos. Muitas das empresas que estão formatando a revolução dos atuadores ainda não têm capital aberto.

Em um escritório da fabricante de chips NXP Semiconductors no Arizona, por exemplo, vários aparelhos para cozinhar estão em teste. Dan Viza, líder da divisão de novas aplicações da empresa holandesa e do projeto de “cozimento por radiofrequência”, quer mostrar como seu chip pode fazer mágica ao cozinhar um ovo.

Num micro-ondas normal, um ovo explodiria. Mas no aparelho adaptado com um chip da NXP que amplifica a energia, é possível cozinhá-lo através da variação da intensidade da radiação, ao contrário da radiação uniforme dos fornos tradicionais.

Se ele pode cozinhar um ovo, também poderá preparar refeições completas, diz Viza e Paul Hart, gerente da unidade de chip de radiofrequência da NXP, através do controle e distribuição de energia diferenciados para cada tipo de alimento. Esta tecnologia não é nova. Mas apenas em 2014 a empresa conseguiu produzir um amplificador de potência eficiente para converter eletricidade em calor que se enquadrasse nos padrões dos fabricantes de eletrodomésticos.

De olho no crescente mercado de alta tecnologia, a fabricante de chips sem fios Qualcomm anunciou na quinta-feira passada que aceitou pagar US$ 39 bilhões para comprar a NPX, que também domina o setor de tecnologia para a indústria automobilística. É o maior negócio da história no setor de semicondutores.

Ao contrário do chip da NXP, alguns atuadores precisarão de alguma importante descoberta no material dos semicondutores. Um dos mais promissores é chamado de GaN, um composto de gálio e nitreto, que seria mais eficiente que o silício para transformar o movimento de elétrons em radiação de energia.

Uma “startup” da Califórnia chamada Soraa tem usado a tecnologia para desenvolver novos tipos de lâmpadas de LED que emitem luz com um espectro bem mais amplo. Poucos são tão apaixonados pelo GaN quanto Alex Lidow, líder executivo da startup Efficient Power Conversion, ou EPC, também da Califórnia. Sua empresa está promovendo o GaN para um surpreendente número de inovações. Uma delas é uma pílula que está sendo desenvolvida pela israelense Check-Cap para detectar câncer colorretal, a segunda maior causa de morte nos Estados Unidos relacionada ao câncer. Quem tem acima de 50 anos é aconselhado a fazer exames para verificar se têm o câncer, mas 40% não seguem a recomendação. “[A colonoscopia] é muito efetiva, ela salva vidas”, diz Bill Densel, diretor-presidente da Check-Cap. “Mas é desconfortável e constrangedora, então as pessoas a evitam.”

O chip de GaN da EPC é colocado em uma cápsula da Check-Cap que é engolida pelo paciente, sem necessidade de jejum. Dentro do corpo, o chip ajuda a fazer um mapa de contorno do cólon de 360 graus e os dados são enviados para um receptor sem fio que o paciente usa. Após dois ou três dias, a cápsula é expelida e o paciente leva o receptor para o médico analisar. “Pólipos e tumores no cólon podem ser visualizados no mapa”, diz Densel. A cápsula, que ainda precisa passar por uma série de estudos clínicos, deve custar cerca de US$ 600, metade do preço de uma colonoscopia sem incluir a taxa do anestesista.

Lidow também acredita que os fios que conectam aparelhos às tomadas de eletricidade irão desaparecer em dez anos. A EPC tem acordos com a maioria das empresas produtoras de energia sem fio. Uma delas é a já mencionada Integrated Device Technology, que fabrica peças de “indução magnética”, já usadas no carregamento de dispositivos como o Apple Watch, colocando o smartwatch em contato com um pequeno pedestal. A IDT já vendeu 70 milhões de chips para esses aparelhos de carregamento.

Assim como os sensores, os carros serão importantes na realização de testes. Os veículos estão cheios de aparelhos eletrônicos, como o painel gigante de vídeo de 17 polegadas no caso da Tesla e câmeras de bordo. Tudo isso amplia o número de fios para conectar todos os chips. Quase 35% do peso de um veículo vem da fiação, segundo Sailesh Chittipeddi, diretor de tecnologia da IDT. “As montadoras buscarão reduzir custos adotando tecnologias sem fio sempre que possível.”

A empresa de Lidow também trabalha com ressonância magnética, onde não há contato, em parceria com uma série de startups, como a WiTricity, de Boston. Seu fundador, Marin Soljacic, professor de física do Instituto de Tecnologia de Massachusetts, descobriu uma forma de ajustar bobinas magnéticas para transmitir energia entre elas de forma eficiente, diz o diretor-presidente Alex Gruzen. A WiTricity deve anunciar em breve um acordo com um fabricante de notebooks. Ela também trabalha com montadoras para entregar kilowatts de energia sem o uso de fios.

Os investidores que estão obcecados com o potencial financeiro dos aplicativos de smartphones que dependem de sensores para monitorar exercícios e o clima vão se surpreender com o sucessor dos sensores, o atuador. Sua capacidade de mudar o cotidiano tornará o mundo ao nosso redor tão intrigante quanto o mundo digital dos nossos telefones.

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