Ver-a-cidade

Sarah Frank Rossner

Andei em silêncio até lá. Não que eu devesse falar algo. Eu nem sabia ao certo quais ventos levavam o meu pensamento e nem para onde. Num instante eu estava lá. Foi automático. Virei à esquerda e depois à direita, contornei os muros grafitados e coloridos, passei pelos bambus altos e fortes, passei por alguns ônibus, senti a fuligem tóxica, tornei a olhar para o chão. Mais à frente cruzei embaixo do viaduto e reparei na frase rotineira grafitada nos pilares que o sustentavam: “Veracidade”, “Ver a cidade”.

Pensei por alguns segundos quantas milhares de vezes já tinha lido aquela frase antes. Pensei no número de pessoas que poderiam ter reparado nela também. Olhei para a Avenida engarrafada à minha frente e me questionei se os transeuntes já teriam reparado naquela frase em algum momento, enquanto sofriam aglomeradas pensando incessantemente no momento em que veriam sua cama, seu chuveiro, seus filhos, seu sossego. Continuei andando, respirei fundo, senti cheiro de mata, de fuligem, ouvi passos, conversas, buzinas, roncos de motor, vi o céu azul, vi o entardecer empurrando o céu cor de laranja no horizonte.

Desejei naquele momento que todas as pessoas estivessem descansando em suas casas. Mesmo que meu desejo fosse contra a lógica urbana de funcionamento. Desejei então, que as pessoas ao menos vissem a cidade. “Ver a cidade”. Aquela cidade que as cerca todos os dias. Que as acolhe ou rejeita todas as noites. Desejei que as pessoas no trânsito fizessem um caminho diferente para o trabalho ou no retorno para casa. Desejei que elas vissem a cidade de verdade. A veracidade da cidade. A cidade que anda na velocidade da luz. A cidade que imobiliza a todos enquanto passa. A cidade vai passando e permanecemos parados. Nós não vemos a cidade, nem as pessoas.

Nós automatizamos os caminhos, os trajetos, os pensamentos. Nós não vemos, não ouvimos, não sentimos a cidade. Nós não prestamos mais atenção na vida. Ela se vai. Vai com a rotina. Vai com toda a beleza, com toda a rapidez e desenvoltura. Nós estamos deixando a vida escapar. A cidade passar. Nós não vemos a cidade. A verdadeira cidade. A veracidade.

Enfim cheguei ao parque. Me senti paradoxal. Apesar de pensar sobre a cidade, pensei tão profundamente que não percebi ela passar.

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