O Desenvolvimento da Narrativa e Mecânicas em Fate Grand Order

Aline Hirata

Franquias podem contar com mais do que apenas seu produto principal para oferecer ao público. Livros se expandem para filmes, jogos que se tornam quadrinhos e vice versa. Essa expansão se dá por meio do conceito da Transmídia, trazido pelo acadêmico Henry Jenkins onde ele diz que é possível criar uma história por meio de diferentes mídias onde cada uma contribui para complementar esse universo ficcional e que cada acesso deve ser autônomo, ou seja, não é necessário conhecer tudo o que foi produzido em todas as mídias para ter entendimento do que se trata, embora as empresas normalmente compensem de alguma forma aquele que acessa mais de uma. No caso de jogos digitais que contam com franquias que trabalham com o conceito de transmídia, podemos observar que a narrativa presente nesse universo pode influenciar a tomada de decisões do jogador acima de escolhas baseadas puramente em estratégias.
Fate Grand Order é um dos jogos muitos jogos da franquia Fate, que teve início como uma visual novel, tornou-se um conjunto de séries animadas e expandiu-se para vários jogos. A ideia central conta com magos que invocam personalidades históricas sob o nome de “servos” para disputar pelo Santo Graal, um artefato que concederá um desejo para a última dupla que se mantiver até o fim do conflito. Contando com esses servos que vão desde o Rei Arthur até Thomas Edison, a franquia permite a criação de um número gigantesco de personagens assim como possibilidades para o desenvolvimento do enredo. Seu mais recente jogo no ocidente, Fate Grand Order reuniu todos os personagens permitindo uma nova forma de interação entre o jogador e seus personagens.
A NARRATIVA
O jogo se pauta na história onde 7 Singularidades surgem e o jogador é o último mago disponível para tentar evitar a calamidade, por isso é permitido que ele tenha mais de um servo. Cada uma das Singularidades é uma distorção em uma época da história e cada uma das fases engloba tanto uma parte de batalha quanto o desenvolvimento de uma história onde o jogador tem controle sobre escolhas de diálogos, aumentando sua agência sobre o jogo, mesmo que essas conversas não tenham nenhum impacto na progressão da história.
As batalhas acontecem em turnos com sistemas de vantagens como temos no jan ken po, onde um tipo sempre tem vantagem contra um e desvantagem contra outro. Isso influencia na escolha de servos para a batalha, uma vez que cada um deles possui habilidades e um ataque especial distinto que reflete algo daquela personalidade histórica, como Santa Martha ter a seu lado o monstro Tarrasque que, de acordo com a lenda foi derrotado pela fé inabalável que a santa tinha em Deus ou Shakespeare que transforma o estrondo dos aplausos de sua plateia em dano sobre os inimigos.
Uma vez que a franquia de Fate conta com mais de 7 séries animadas além dos livros, é comum que um fã tenha um número considerável de personagens favoritos e, diferente dos outros jogos, Fate Grand Order é o primeiro da franquia que reúne personagens de todas as
suas franquias em um único lugar. Isso possibilita que dessa vez, ao invés de escolher um personagem principal para progredir com uma história como acontecia em outros jogos, agora ele tem mais de 100 personagens a sua disposição, incluindo aqueles que eram seus favoritos na série mesmo que esses não sejam os mais fortes dentro do jogo. O investimento da empresa em criar material além de simplesmente as habilidades do personagem permite intensificar a experiência da relação entre ele e o jogador.
Num menu dedicado apenas aos personagens, existem diversas funcionalidades que recompensam o jogador conforme ele investe seus recursos de duas formas. Por um lado, ele pode subir o nível para que sua equipe fique mais forte para prosseguir nas batalhas enquanto, por outro, usar o personagem em seu time consecutivamente desbloqueia conteúdo referente a narrativa como curiosidades sobre aquela personalidade histórica, versões novas de vestimentas, falas exclusivas e imagens de avatar que ficam expostas para outros jogadores. Embora o investimento na parte de batalha seja estrategicamente mais vantajoso, a comunidade de jogadores atribui um valor quase equivalente para ambos.
Primeiramente é importante falar como o sistema funciona entre os jogadores. Embora não exista um modo multiplayer para incentivar competitividade, uma vez que isso poderia prejudicar a imersão do mundo ficcional, ainda existe uma forma de hierarquia social por meio da própria lista de amigos. A cada fase que o jogador entra, um dos personagens da equipe deve ser escolhido a partir dos que estão disponíveis em sua lista de amigos para cada uma das 8 classes existentes. Nisso, ao escolher o personagem o jogador se depara com diversas variáveis que determinam quem está num ranking mais alto dentro do jogo.
Uma vez que o estímulo visual chega ao cérebro antes da leitura de textos, quando seu personagem atinge o último nível ele recebe uma imagem promocional que pode ser adicionada como avatar. Isso faz com que a primeira coisa que os jogadores sempre vejam na tela de menu seja que o personagem daquele jogador está com o investimento máximo possível, antes de ler nomes, habilidades ou níveis. Isso faz com que o sistema de suporte funcione como uma vitrine de troféus simbólicos e deva ser acessada a cada batalha do jogador.
O fator interessante que aparece nesse menu é que embora os personagens sejam divididos em ranking de 1 a 5 estrelas (sendo 5 o mais forte), é raro que todos os escolhidos para serem usados sejam os de ranking 5. Pensando por uma perspectiva estratégica seria mais vantajoso que, quanto mais alto o ranking, mais valeria investir naquele servo com seus recursos para que chegue ao nível máximo primeiro e, por consequência, deixar na tela de suportes para ficar visível para outros jogadores e, quando usado, mostrar que realmente é um personagem forte. Embora jogadores de nível alto tenham personagens de ranking 4 ou 5 em todas as posições possíveis de escolha, é mais comum encontrar listas onde alguns dos personagens com a imagem final é um servo de 3 estrelas, mesmo que ele tenha mais fortes a disposição.
Isso acontece por conta da relação criada por meio do acesso que o jogador teve aos outros suportes midiáticos. Mesmo que os personagens favoritos daquele jogador não sejam os mais fortes no jogo, a afinidade criada faz com que opte por investir seus recursos nele. Isso também mostra para outros jogadores que aquele servo na tela de suporte é que o que ele prefere deixar exposto como seu troféu simbólico acima de outros mais fortes, para ser usado por outros em batalha. Isso torna o sistema de suportes mais dinâmicos, pois além de demonstrar o lado do fã para tomada de decisão, também possibilita diferentes estratégias no
jogo uma vez que ter apenas servos de 5 estrelas tornaria as possibilidades de escolha para batalhas mais escassas.
A preferência por personagens de nível mais baixo aparece principalmente na página oficial do jogo onde, quando um novo nível chega por meio de trailers, muitos jogadores dizem que já estão guardando seu dinheiro virtual para um certo personagem, mesmo que ainda não tenha sido mostrado qual seu ranking ou habilidades. Mas vale frisar que a preferência por personagens de nível baixo não significa que os de ranking mais alto são descartados. É comum mantê-los a disposição da equipe do próprio jogador para níveis mais difíceis.
Além das escolhas feitas por conta da preferência do jogador por certos personagens, o jogo incentiva essa interação por meio de eventos como o Dia dos Namorados ou White Day, onde as missões especiais consistem em conseguir ganhar chocolates de Dia dos Namorados dos seus personagens favoritos. Os chocolates recebidos tem pouca utilidade no jogo, mas durante esse período a comunidade se mostra em uma corrida contra o tempo para conseguir todos os presentes.
NARRATIVA NA MONETIZAÇÃO
Como mencionado anteriormente, os jogadores desejam ter alguns personagens e para isso é instaurado um sistema de Gacha. O sistema de gacha é comum em jogos do gênero e consiste em usar dinheiro virtual para receber itens ou personagens escolhidos de forma aleatória a cada tentativa. Uma vez que não é um sistema de loja onde o jogador pode escolher o que obter, é comum que o item desejado não saia na primeira rodada, fazendo com que o jogador insista e use mais dinheiro virtual para tentar conseguir o prêmio que deseja. Vale dizer que há um sistema de loja com outra espécie de dinheiro, mas ele serve apenas para obter, em quantidade limitada, itens consumíveis.
No sistema de Gacha existem dois tipos de dinheiro: Friend Points e Saint Quartz. Enquanto os Friend Points são obtidos quando algum jogador usa seu personagem da lista de suportes, os Saint Quartz podem ser conseguidos lentamente completando missões ou podem ser comprados por meio de microtransações. Com a velocidade que os eventos acontecem trazendo personagens que ficaram disponíveis no sistema de Gacha por tempo limitado, dificilmente os Saint Quartz conseguidos por missões gratuitas dão conta de fazer pelo menos uma tentativa de Gacha, fazendo com que o jogador tenha que intercalar entre os eventos e, mesmo assim, pode acabar frustrado já que os itens são baseados em sorte. Isso é um grande incentivo para que seja gasto dinheiro real para obter mais Quartz.
A maior diferença entre o sistema de Friend Points e Saint Quartz além das microtransações é que o primeiro só fornecerá ao jogador itens e personagens de até 3 estrelas no ranking enquanto o de Saint Quartz oferece até 5 estrelas, embora sua porcentagem de acerto seja entre 1-3%. A cada atualização novos itens permanentes são atualizados aos dois sistemas, fazendo com que se torne cada vez mais difícil, em questão de probabilidade, tirar um personagem em específico. A tendência é que isso seja um segundo incentivo para que o jogador invista no uso de dinheiro real para tentar obtê-los, afinal, não tirar o seu personagem favorito mas vê-lo na lista de suporte de um amigo pode se tornar frustrante.
Em suma, Fate Grand Order mostra que o investimento na narrativa por meio de outras mídias juntamente com sistemas dentro do jogo que possibilitam a obtenção e investimento de recursos neles além de apenas subir seu nível, fazem com que os jogadores tenham um engajamento maior em sua equipe e, possivelmente, investindo muito mais dinheiro do que fariam normalmente por conta da afinidade criada entre ele e os mais de 100 personagens da franquia.

Bibliografia
MELLO, F.; MASTROCOLA, V. Game Cultura. 1. Ed. São Paulo: Editora Cengage Learning; 2016
JENKINS, H. Cultura da Convergência. 1 ed. São Paulo. Editora Aleph;2009

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