Lixo não serve apenas para ser jogado fora

Por Antonio Carlos C. Castro, aluno do 5° semestre do curso de Jornalismo da ESPM / SP

Os municípios brasileiros têm até 2014 para extinguir os lixões e praticar a coleta seletiva em todo o seu território, de acordo com a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), segundo publicado no site Planeta Sustentável. No entanto, de acordo com o estudo Consumo Sustentável, realizado pelo Ibope, 64% dos brasileiros ainda não possuem acesso à coleta seletiva em suas residências. E mais: apenas 13% de todo o lixo produzido no País é separado por meio de coleta e reinserido na cadeia produtiva.

A grande porcentagem de brasileiros que não tem acesso à coleta já é um dado ruim, porém, mais preocupante é que os que possuem esse serviço não são atendidos 100% pelas prefeituras. Em metade dos casos, o serviço ainda é feito por catadores de rua, cooperativas, associações ou pontos de entrega voluntários, mostrando quanto trabalho os governos municipais ainda têm pela frente.

Segundo publica o jornalista André Trigueiro no do livro Mundo Sustentável 2, em tese, a obrigação de cuidar do lixo e do entulho é das prefeituras. Porém, percebe-se que em muitos municípios o lixo é a última preocupação do governo, uma vez que um dos maiores e mais importantes desafios para esses prefeitos (ainda) é promover a coleta, o transporte e a destinação inteligente dos resíduos sólidos. Talvez o que falte para dar início, de uma vez por todas, ao “projeto lixo” seja o conhecimento, já que a gestão sustentável do lixo traz benefícios às cidades brasileiras.

O primeiro benefício é a geração de emprego e de renda. De acordo com dados do Cempre (Compromisso Empresarial para a Reciclagem), a estimativa é de que, hoje, existam em média um milhão de catadores no Brasil, porém apenas 40 mil estão em cooperativas. Em sua maior parte, essas pessoas possuem mais de 30 anos, baixo nível de escolaridade e encontram dificuldade para ingressar no mercado de trabalho formal. Um programa do governo que estimulasse a reciclagem, além de abrir novas oportunidades de trabalho para esses “excluídos”, ainda teria capacidade de gerar, ao menos, um milhão de empregos diretos.

Outra vantagem é a redução da quantidade de lixo que vai para os aterros. Avalia-se que 40% de todos os resíduos domésticos nos aterros sejam recicláveis. Junto a isso, o crescimento acelerado das cidades torna cada vez mais difícil encontrar novas áreas disponíveis para o depósito de lixo. É importante ressaltar que a coleta aumenta expressivamente a vida útil dos aterros, que passam a receber quase 100% de matéria orgânica.

A falta de coleta seletiva gera desperdício de dinheiro (até isso!). De acordo com o Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), em 2009, o País jogou no lixo o equivalente a 8 bilhões de reais em materiais recicláveis. Outro erro do governo é que, no Brasil, os produtos recicláveis recolhem impostos duas vezes. Os governos, tanto municipais como estaduais e federais, poderiam isentar ou reduzir a taxa de impostos incidentes nos produtos recicláveis, dessa maneira estimulando esse mercado.

Garrafas pet

Um segundo benefício é o uso do lixo como recurso de decoração. Ainda de acordo com Trigueiro, em várias cidades do Brasil, as prefeituras promovem decorações das ruas em datas especiais, como Natal e Carnaval. Imagine se essas decorações fossem feitas de lixo! Isso é possível e já existe. Além de ser uma maneira mais sustentável, é uma ótima oportunidade para expor o trabalho de artistas que transformam o lixo reciclável em obras de arte.

Como exemplo, o Natal de Luz de Gramado (RS), que atrai aproximadamente 600 mil pessoas ao ano, é todo decorado com enfeites produzidos a partir de garrafas pet. São mais de três milhões de garrafas, todas arrecadadas em uma gincana promovida pela prefeitura, envolvendo as escolas do município. E o aluno que coletar mais garrafas, ganha um computador doado pela prefeitura. Não é perfeito?

O terceiro benefício é a energia extraída do lixo. A decomposição da matéria orgânica presente no lixo, em suma, restos de comida, transforma-se em gás metano, combustível aproveitado como fonte de energia.

Em 2004, foi inaugurada em São Paulo a maior usina de energia do mundo, sobre o aterro sanitário Bandeirantes, que, segundo dados da Biogás Ambiental, abastece 400 mil pessoas. Três anos depois, em 2007, o aterro São João começou a queimar o metano e aproveitá-lo como fonte de energia. Combinados, os dois aterros geram em torno de 7% de toda a energia consumida em São Paulo.

O Rio de Janeiro não fica atrás. O projeto do aterro de Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense, foi o primeiro do mundo a ser oficialmente inscrito como Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL) do Protocolo de Kyoto, em novembro de 2004. Em dezembro de 2010, o aterro de Gramacho, em Duque de Caxias, assinou um contrato com a Petrobrás para fornecer o metano capturado do lixo à Refinaria Duque de Caxias, a mais completa do Brasil. O volume de gás (cerca de 75 milhões de metros cúbicos ao mês) é suficiente para atender 10% da demanda da refinaria.

Trigueiro alerta que a quantidade de lixo gerada em cidades com população maior que 50 mil habitantes é (ou deveria ser) suficiente para justificar investimentos em usinas de energia. No caso de cidades menores, a possibilidade é promover a destinação final do lixo de diversos locais de pequeno porte, para apenas um aterro sanitário. Desse modo, a carga de lixo diária é aumentada e o potencial de energia do metano também.

O relatório Panorama dos resíduos sólidos no Brasil, da Abrelpe (Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais), aponta que 61% das cidades brasileiras ainda despejam todo seu lixo em lixões a céu aberto, o que representa 42,4% do volume total de lixo coletado no País. Apenas 57,6% dos municípios brasileiros contam com alguma iniciativa de coleta seletiva.

Cidadãos

Esses dados servem como referência para uma revisão nos conceitos brasileiros no que diz respeito à coleta de lixo. De maneira geral, o que muitos enxergam como “apenas lixo” não pode mais ser considerado um problema. Mais importante do que isso é que nós, cidadãos, devemos cuidar do que é nosso e cobrar uma posição de nossos governantes, que muitas vezes, por ignorância ou por falta de vontade, não enxergam saídas para os problemas.

Talvez o que impeça grande parte da população de realizar tais cobranças seja a falta de informação e conhecimento. Além da ausência do serviço de coleta, o povo brasileiro é carente de informação. Dados divulgados pelo Ibope confirmam que uma em cada três pessoas não faz ideia de onde o lixo produzido em sua casa vai parar depois de ser colocado para fora.

Além disso, muitas pessoas não sabem quais resíduos devem ser descartados de maneira especial por apresentarem risco ao meio ambiente e à saúde das pessoas (como pilhas e lixo eletrônico). A saída é encontrar uma maneira de divulgar essa informação para a população, de modo eficaz, e assim, conscientizar os brasileiros de que o mundo é nossa casa.

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