Transtornos bipolares eleitorais

Pedro de Santi

05/10/2014, dia de primeiro turno para a eleição para presidente, governador, senador, deputado federal e estadual.

Quem está acompanhando as pesquisas eleitorais imaginava que havia uma tendência de que Aécio tivesse ultrapassado por pouco Marina. Mas acho que ninguém poderia esperar que ele atingisse 34% dos votos válidos, tendo permanecido até então sempre em torno de 20%.

Caminhando pela manhã em torno de minha casa, notável calma na rua. De um lado, é a sétima eleição presidencial consecutiva, desde o retorno da democracia: votar  é, felizmente, normal. De outro, apesar das reviravoltas inéditas nas intenções de voto, não chegou a haver nas ruas um grande clima de eleição. O único partido de militância mais ativa, o PT, está relativamente calmo: a candidata a reeleição está garantida no segundo turno e é a mais provável vencedora nele também.

Estranhei muito a ausência de manifestações nos últimos meses como as que houveram em junho do ano passado. Toda a ideia era de que as manifestações revelavam uma insatisfação geral e uma crise na representatividade. Aparentemente, muitos dos manifestantes compuseram os altos índices de intenção de votos de Marna Silva, há um mês. Mas com o refluxo destas intenções, onde foram parar aqueles milhares de jovens? Também me ocorrem duas possibilidades: a pior é a de que as manifestações tenham sido um fogo de palha sem consistência, um espasmo social isolado; ou já faz parte de uma percepção de que as eleições estão desvinculadas do anseio por mudança. Não se espera que elas possam ser o caminho para transformações sociais. Elas podem ter sido dissociadas totalmente da sociedade e passado a viver num ambiente auto-centrado de um marketing sem qualquer compromisso com a realidade e personagens grotescos.

De minha parte, trago a sensação desconfortável de estar interessadíssimo no processo e não me considerar representado por nenhum dos candidatos a presidente. Já havia me sentido assim em segundo turno, mas em primeiro não.

Ainda assim, pelo que há de maior no processo, levei como sempre faço minhas duas filhas para a votação. Uma de quase onze anos e outra de quatro e meio. Sempre procuro fazê-lo. Há algo positivo e forte na movimentação das pessoas, no entra e sai das sessões, numa certa civilidade no trato e disposição de ajudar quem tenha alguma dificuldade de deslocamento ou necessidade de informação. Há algo disso que gostaria que elas trouxessem consigo. Meu ceticismo com relação aos candidatos atuais não diminui este sentimento, que diz respeito a algo anterior e superior ao contigente. Pelo mesmo motivo, faço questão de não votar em branco ou nulo e escolher o que considere o melhorzinho, ou ao menos, o “menos mau” dentro do quadro.

Eis o que considero neste momento o trabalho: ser crítico ao processo e ter claro que é preciso participar dele. As alternativas são aderir ao simples cinismo ou aspirar por regimes não democráticos.

Mesmo dia, 12 horas depois. Saem as pesquisas de boca de urna e a virada de Aécio sobre  Marina se confirmou, mas com uma força não antecipada pelas pesquisas. Com a apuração, a virada se mostra ainda mais aguda. Em votos válidos: 41% para Dilma, 34% para Aécio, 21% para Marina. Em nenhuma pesquisa Aécio conseguia descolar dos 20%. E Marina voltou ao mesmo patamar que teve nas últimas eleições, há 4 anos.

Em dois dias aconteceu esta virada? As pesquisas simplesmente não eram representativas? O apoio à situação é declarado da boca para fora mas não se confirma no voto secreto?

Nestas eleições, o que falta em interesse político, sobra em emoção. A volatilidade e mudança de humor de uma massa importante de eleitores parece nunca ter sido tão grande. Os votos não são de Aécio como não eram de Marina. O apoio ao partido que está no poder é menor do que todos pensavam e os resultados dos demais cargos em disputa o confirmam.

O humor de quem apóia a presidente foi sacudido de novo: depois do apuro com a onda Marina, tudo parecia ter voltado à tendência anterior de continuidade. Agora essa. Certamente a militância vai despertar e o marketing que detonou Marina se voltará contra Aécio, que não era o alvo principal até aqui.

E quem almejava por mudanças, certamente não tem muito em que se ancorar num segundo turno PT x PSDB.

Agora, ficamos à espera do posicionamento de Marina e de ver para onde vão aqueles que nela votaram. E esperar pelas novas pesquisas, sobre as quais ganhamos a percepção de falibilidade.

A regra tem sido que o candidato que lidera o primeiro turno, ganhe também o segundo, mas neste clima ciclotímico, já não é possível prever.

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