Sobre textos difíceis

Por Gianpaolo Dorigo, Professor do Anglo Vestibulares

Como lidar com textos considerados “difíceis” ? O que fazer diante de uma leitura que parece não conduzir a lugar nenhum ou que se perde em meandros labirínticos? Jovens universitários costumam ser ferozes críticos da erudição, sobretudo aqueles que acabaram de entrar na faculdade. Orgulhosos de seus feitos acadêmicos – que são basicamente limitados, nessa altura da vida, justamente a entrar em uma boa faculdade – acabam usando isso como fundamento “espiritual” e às vezes inconsciente para assumir posturas iconoclastas.

Recentemente, conversando com um grupo assim, saí em defesa dos textos “difíceis”. Comecei usando a famosa citação do filósofo alemão Theodor Adorno segundo a qual a complexidade da realidade faz com que os textos que a descrevem ou tentem entendê-la sejam também necessariamente complexos. Claro que é provocação, pois sabemos que linguagem e mundo são coisas bastante diferentes. (Mas até que ponto ? Longa história). Após uma saudável e inteligente troca de argumentos com meus interlocutores, surgiu um consenso segundo o qual o emprego de uma linguagem “difícil” pode ser perdoado, desde que não seja feito inutilmente (ou seja, quando há alternativas “fáceis”) e nem seja simples exibição de erudição (o que resulta em mera arrogância).

O emprego frequente da palavra “ciência” pelos meus jovens interlocutores me chamou atenção para a forma como lidamos com os textos. Acredito que os que cobram a simplicidade da escrita buscam, acima de tudo, objetividade nos textos lidos, a pura clareza lógica de uma equação matemática. Se um autor pensa de uma determinada maneira, que ele diga claramente o que pensa e pronto. Parece racional, não ?

Todavia me pergunto se não haveria uma outra ordem de textos (correspondente a um outro tipo de pensamento), que deva fazer da “dificuldade” sua própria matéria, partindo do pressuposto de que o pensamento não se esgota no texto lido. Tento ser mais claro: se o autor tem uma opinião e tenta transmiti-la, é seu dever ser claro. Porém, se ele parte do princípio que sua opinião não é definitiva ou que o assunto não se esgota em um par de conclusões – por exemplo, devido à complexidade do tema abordado – o autor tem a possibilidade ou mesmo a obrigação de multiplicar os planos possíveis de leitura do seu texto. Em outras palavras, ele acaba aumentando a complexidade ou dificuldade, para que o leitor possa ir além do que o autor foi na investigação do problema proposto com o texto, abrindo várias possibilidades de leitura para muito além daquilo que simplesmente “quis dizer”.

A analogia que faço é com a pintura. Todos podem ver e apreciar uma pintura figurativa. Claro, há uma infinidade de discursos ou interpretações possíveis a partir da contemplação, por exemplo, de uma Mona Lisa. Porém todos eles devem necessariamente partir do fato incontestável de que se trata de uma mulher parada, tendo atrás de si uma paisagem rochosa e desprovida de vida, ela veste preto e olha para frente com um sorriso discreto. Essa é efetivamente a figura que se apresenta diante dos nossos olhos, e identificamos sua forma porque temos o referencial incontornável da realidade a partir do qual fazemos uma comparação.

Porém, como agir diante de uma tela abstrata ? O trabalho, mental ou interpretativo, solicitado é certamente maior do que no caso de uma tela figurativa. Muitas vezes, o artista sequer imagina o alcance daquilo que vai ser pensado ou sentido a partir da contemplação de sua obra. Uma tela abstrata, assim como textos “difíceis”, representa sobretudo uma abertura para o pensamento, um convite para um trabalho do pensamento que pode ser bastante árduo. Da mesma forma, em um texto “difícil” trata-se da possibilidade de “ir além do conceito”, só para citar o velho Adorno ainda uma vez.

Penso também na poesia. O sentido de uma poesia não se esgota no significado das palavras empregadas. Ler uma descrição sobre o rio que passa na minha aldeia pode ser entediante, mas também pode nos levar a uma verdadeira síntese metafísica. Falar sobre pedras no meio do caminho pode ser de uma estupidez atroz mas, ao mesmo tempo, pode ser capaz de criar sentido. Quando um texto nos leva a isso, ele certamente cumpriu sua função, tenhamos ou não entendido exatamente o que o autor quis dizer.

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