Sala de Música – A música do Medievo: as quintas paralelas

Kleber Mazziero de Souza

Lançar um olhar desatento, sem compromisso, míope, para 1400 anos de história e dar a 14 séculos o apodo “Idade das Trevas” é, no mínimo, temerário. É desconsiderar o pensamento místico de Santo Agostinho, Tomás de Aquino, Mestre Eckhart; o pensamento formal de Plotino, de Erasmo; a literatura de Apuleyo; as arquiteturas Bizantina, Gótica; a Catedral de Colônia, a Igreja de Snata Maria de Mar; os ícones de Andrei Rublev; a Música da Idade Média. É, enfim, ignorar deveras, deixar muito de lado.

Cerca de 200 anos depois de consolidada a escrita musical neumática, alicerce da notação que perdurou até os dias atuais, a Igreja Católica enfrentava uma crise sintetizada em duas espécies de questionamentos, um de natureza filosófica: o número de fieis diminuíra significativamente após a invasão de bárbara de Carlos Magno. Ora, se Deus existe e é tão bom, por que somos massacrados violentamente por nossos semelhantes?; outro, de natureza econômica: se hipotecamos nosso parte de suado soldo para que Deus nos dê Sua proteção, por que Ele nos abandonou no momento dos ataques?

A perda de fieis estimulou uma transformação no rito católico. Tal transformação estimulou sobremaneira o surgimento de um conceito musical que extrapolaria a melodia monocórdica do cantochão. Uma “segunda voz” seria acrescentada ao cântico sacro.

Assim, por volta do século IX, foi permitida a entrada de crianças nos coros que entoavam a música do ritual católico. A voz das crianças, mais agudas do que a voz dos adultos, impunha uma outra nota ao canto melódico. Essa nota não seria tão aguda a ponto de ser a mesma nota, executada uma oitava acima. Tal nota seria a exata quinta nota acima daquela executada pelos adultos: a Quinta Justa.

Superpostas as notas distintas (a Fundamental e a Quinta Justa), a melodia monocórdica transformou-se em bicórdica e o cantochão deu lugar ao movimento paralelo de duas notas distintas executadas ao mesmo tempo; era o mais antigo ancestral do que viria a ser conhecido como contraponto.

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